Centelha de Inverno de Ricardo Carranza
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Genealogia do medo / Genealogy of fear
RICARDO CARRANZA
JOHN MILTON (English version)
GENEALOGIA DO MEDO
O medo é coisa
que engendra coisas
que engendram medo.
O medo é uma mulher
que engendra segredos
que engendram medo.
O medo é uma dívida
que engendra dúvidas
que engendram medo.
O medo é o roer do tédio
que engendra ócios
que engendram medo.
O medo é o mago negro do silêncio,
que engendra silêncios
que engendram medo.
O medo é coisa
que engendra coisas
que engendram medo.
Ontem uma maçã
RICARDO CARRANZA
Ontem uma maçã.
As luzes apagavam da cidade
blocos insípidos que abrigam
pessoas como eu e você. O frenesi,
pré-agendado, principiava a se enrolar
com o focinho embebido no ventre.
Do véu de luz no talho da pedra se
espreitava um suspiro de dor,
tédio ou volúpia; não sei dizer.
O tempo passou, insidioso, pela alma
do meu esqueleto. De volta, a maçã ainda
oxidava como ampulheta de carne no tampo
de vidro temperado. Então você veio e disse
que é fácil dizer que a maçã vem da árvore e a árvore vem da semente da maçã
e que isso não causa mais vertigem a ninguém.
DOZE POEMAS DE MATSUO BASHÔ
GUSTAVO FRADE
Resumo
Tradução de doze hokku (forma mais conhecida como haikai) de Matsuo Bashô com breve introdução e comentários gerais sobre a tradução e específicos sobre cada um dos poemas. Como o gênero oferece o desafio de desenvolver imagens dentro de uma forma fixa extremamente concisa e como a brevidade é marca característica dos poemas, o texto traduzido também segue uma espécie de padrão rítmico 5-7-5 que se aproxima um pouco da contagem japonesa de unidades rítmicas. Como outra marca essencial do gênero é a composição particularmente atenta à construção de imagens e à sequência dessas imagens, essas imagens e a ordem em que elas aparecem no texto são prioridades da tradução. A seleção foi feita com o objetivo de apresentar poemas dedicados a cada uma das estações do ano, de bom humor, de reflexão introspectiva, de algum pensamento sobre a poesia e ainda um caso de métrica peculiar.
CIRCO DA IMPERMANÊNCIA
Mais uma vez este lugar,
morada de deuses
necessários e possíveis.
Meu pensamento
é um movimento de asas
em um céu afetivo da memória,
um carteiro
com a mensagem cifrada,
uma prática sem rotina.
E como chamar este lugar?
Escrevo palavras como –
nuvem, rio, castelo de areia,
orvalho e lágrima,
nervuras
na extremidade do corpo,
folhas espalmadas de árvore,
verbo vertente
em corpo de sons,
seus olhos como
a esperança das manhãs.
Mais uma vez,
neste campo em branco,
neste roçar confuso de matérias,
a explosão surda e serena,
doce rumorejo
da face amada
que de minhas
mãos vazias goteja.
Mais uma vez esta boca,
este rio que me percorre,
este dom, este imã,
que por você floresce.
Mais uma vez
este espelho
que revela um rei,
a ralé,
o guarda-chuva esquecido no trem,
o nome do filho
no bojo escuro da carne.
Mais uma vez
este caldeirão
turvo e cristalino,
ou este Caos
turvo e cristalino
no que giramos
a vara no caldeirão.
Mais uma vez
este lugar de cascalho, faísca, chuva, sopro, rua, beijo, casa, ontem.
Mais uma vez,
Brahms
na cabine do elevador,
esfera de vidro
rolando a encosta,
sombra de árvore
no rio que cia,
véu que orvalha a flor,
pão que nutre o pó.