CIRCO DA IMPERMANÊNCIA
Mais uma vez este lugar,
morada de deuses
necessários e possíveis.
Meu pensamento
é um movimento de asas
em um céu afetivo da memória,
um carteiro
com a mensagem cifrada,
uma prática sem rotina.
E como chamar este lugar?
Escrevo palavras como –
nuvem, rio, castelo de areia,
orvalho e lágrima,
nervuras
na extremidade do corpo,
folhas espalmadas de árvore,
verbo vertente
em corpo de sons,
seus olhos como
a esperança das manhãs.
Mais uma vez,
neste campo em branco,
neste roçar confuso de matérias,
a explosão surda e serena,
doce rumorejo
da face amada
que de minhas
mãos vazias goteja.
Mais uma vez esta boca,
este rio que me percorre,
este dom, este imã,
que por você floresce.
Mais uma vez
este espelho
que revela um rei,
a ralé,
o guarda-chuva esquecido no trem,
o nome do filho
no bojo escuro da carne.
Mais uma vez
este caldeirão
turvo e cristalino,
ou este Caos
turvo e cristalino
no que giramos
a vara no caldeirão.
Mais uma vez
este lugar de cascalho, faísca, chuva, sopro, rua, beijo, casa, ontem.
Mais uma vez,
Brahms
na cabine do elevador,
esfera de vidro
rolando a encosta,
sombra de árvore
no rio que cia,
véu que orvalha a flor,
pão que nutre o pó.
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