Sensibilidades topográficas em Álvaro Siza: Estratégias Projetuais do conjunto da Igreja de Santa Maria em Marco de Canaveses
LÍVIA NÓBREGA
FERNANDO MOREIRA
Resumo:
O presente artigo discute cinco estratégias projetuais que exploram a relação entre edifício e sítio, elaboradas à luz de uma noção ampliada do conceito de topografia, com base no exame da Igreja de Santa Maria, obra do arquiteto português Álvaro Siza, projetada e construída entre 1990 e 1996, em Marco de Canaveses, Portugal. Neste sentido, os conceitos de estratégia projetual (Moneo, 2008) e topografia (Leatherbarrow, 2000, 2004) deram suporte à descrição e análise do referido projeto, através do qual foram identificadas as seguintes estratégias: 1) Apreensão do sítio e enquadramento da liberdade projetual; 2) A construção como cultivo; 3) Terraplenagem como estruturação; 4) Fragmentação versus frontalidade; 5) Tempo e materialidade.
Estas estratégias foram elaboradas a partir do estudo dos dados levantados sobre a obra (plantas, croquis, fotografias, maquetes e textos do próprio arquiteto), bem como de registros e observações realizadas in loco (por meio de visitas ao local e de entrevistas ao arquiteto), através de uma abordagem fenomenológica guiada pelas reflexões extraídas do referencial teórico. As estratégias projetuais também funcionam como um método de análise de projetos, ao possibilitar uma aproximação gradual da obra, de seus antecedentes e implantação até soluções técnicas e detalhes. Para tal, o artigo estrutura-se em: 1) Introdução; 2) Referencial Teórico: Da relação entre sítio e arquitetura; 3) Objeto empírico: A Igreja de Santa Maria em Marco de Canaveses 4) As estratégias projetuais; 5) Considerações finais. Deste modo, o trabalho traz contribuições tanto específicas, ao lançar um olhar particular sobre a obra do arquiteto, quanto mais amplas, ao fomentar um conjunto de estratégias projetuais de relação entre arquitetura e sítio que podem ser estendidas para a compreensão e elaboração de outros projetos.
Palavras-chave: Álvaro Siza. Estratégias projetuais. Topografia
1- Introdução
Este artigo busca formular algumas estratégias projetuais que exploram a relação entre edifício e sítio, à luz de uma noção ampliada do conceito de topografia, de David Leatherbarrow. Estas estratégias foram elaboradas a partir da análise da Igreja de Santa Maria, projeto do arquiteto português Álvaro Siza,desenvolvido entre 1990 e 1996 e localizado na cidade de Marco de Canaveses, ao norte de Portugal.
O ponto de partida para o desenvolvimento desta investigação é: por um lado, a identificação da persistência de um extenso e controverso debate sobre o diálogo entre valores universais, condicionantes locais (Giedion, 1941; Zevi, 1945, 1948; Rogers, 1954; Ricoeur, 1955; Rossi, 1966; Frampton, 1983; Tzonis, Lefaivre, 1990) e experiências sensoriais no âmbito da arquitetura moderna e contemporânea (Merleau-Ponty, 1945; Heidegger, 1951 Norberg-Schulz, 1979); e por outro, a potencial contribuição de um conjunto de formulações teóricas (Leatherbarrow, 1993, 2000, 2004; Moneo, 2008) e de uma série de particularidades empíricas presentes na obra de Álvaro Siza (Nóbrega, 2012, 2016; Nóbrega, Moreira, 2015) no sentido de fornecer uma nova perspectiva a este debate, bem como de estimular uma prática reflexiva da arquitetura.
Para formular estas contribuições, o exame do projeto e edifício da Igreja de Santa Maria será guiado por uma série de reflexões sobre a relação entre arquitetura e sítio conforme proposto pelos estudos de David Leatherbarrow (2000, 2004). Desta revisão, cujas principais ideias foram cruzadas com as informações do projeto e com as percepções da visita ao edifício e ao sítio, são formuladas cinco estratégias projetuais, expressão cunhada por Moneo (2008), de modo a descrever este relacionamento entre projeto e sítio no caso em questão.
Por fim, espera-se que as referidas estratégias sejam frutíferas não apenas para o entendimento do projeto em questão ou da obra de Siza, como também para a investigação e a elaboração de outros projetos de arquitetura.
2. Referencial teórico: Da relação entre sítio e arquitetura
O presente trabalho constitui um desdobramento de uma investigação anterior, que propôs o entendimento de um recorte específico de nove projetos da obra de Álvaro Siza (NÓBREGA, 2012). A referida análise foi guiada a partir de cinco estratégias projetuais (MONEO, 2008) identificadas como recorrentes na sua obra, que foram formuladas à luz de uma noção ampliada do conceito de topografia, extraída das reflexões propostas por David Leatherbarrow (2000, 2004) a qual chamou-se de ‘sensibilidade topográfica’ e integra um conjunto de estudos sobre a obra do arquiteto.
Uma revisão de literatura permitiu constatar que estes estudos em geral tratam de: obras específicas do arquiteto (SALGADO, 2005; TRIGUEIROS, 2004); da formulação de uma visão do conjunto da sua obra (FRAMPTON, 2000; JODIDIO, 1999; TESTA, 1998; TRIGUEIROS, 1995, 1997); da visão do arquiteto sobre suas obras por meio de textos e de entrevistas (ANGELILLO, 1997; BEAUDOIN, MACHABERT, 2009; MORAIS, 2009); do seu método de projeto (RODRIGUES, 1992, 1996); dos seus croquis como instrumento de reflexão (CASTANHEIRA, 2009; FLECK,1994; FRAMPTON, 1988; HIGINO, 2010); do relacionamento da sua obra com o lugar (CAFÉ, 2011); bem como dos seus projetos mais contemporâneos (FIGUEIRA, 2008).
Estas discussões, suscitadas pelas próprias características de suas obras[1], relacionam-se com um contexto bastante rico da história recente da arquitetura, que diz respeito aos debates compreendidos entre o início do século XX, com a formulação do Movimento Moderno e suas diversas manifestações[2], até o conjunto de críticas e alternativas contemporâneas ou sucessoras a este.
A ideia de arquitetura moderna era artefato industrial, reprodutível e universal pronto para ser implantada nos diferentes cantos do mundo, foi logo questionada por autores que analisaram a obra de arquitetos modernos, como Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto (GIEDION, 1941; ZEVI, 1945, 1948), que estabeleceram um rico diálogo com a paisagem e a cultura de seus contextos por meio da espacialidade e materialidade de suas obras.
A obra de Siza também pode ser associada à estas discussões, que propuseram um olhar ampliado sobre o Movimento Moderno, por meio do estudo de arquitetos que trabalharam em ambientes distintos daquele da Europa central, constituindo um conjunto de discussões que ficaram conhecidas como Regionalismo Crítico (FRAMPTON, 1983; TZONIS, LEFAIVRE, 1990). Do mesmo modo, sua obra relaciona-se com as discussões sobre a distinção entre espaço e lugar na arquitetura, que confrontam a visão abstrata e racionalista da arquitetura com reflexões oriundas dos campos da filosofia e fenomenologia (HEIDEGGER, 1951; Merleau-Ponty, 1945; RICOEUR, 1955; NORBERG-SCHULZ, 1979). Além de ser associada às abordagens que propunham o diálogo entre as novas e antigas edificações por meio do uso de referências visuais que faziam alusão a elementos históricos, bem como da inserção cuidadosa dos edifícios na malha da cidade tradicional (ROGERS, 1954; ROSSI, 1966).
Portanto, se por um lado, a retomada de um discurso regionalista ou tipológico parece não ser mais frutífera, por outro, refletir sobre as formas de relacionamento da arquitetura com o seu entorno é um tema central e sempre atual da disciplina. Diante desse contexto, o estudo pretende contribuir: de modo específico, no âmbito do conjunto de estudos sobre Siza, ao lançar um olhar particular sobre a obra do arquiteto; e de modo mais amplo, no contexto dos referidos debates, ao fomentar um conjunto de estratégias que podem ser estendidas para a compreensão e elaboração de outros projetos.
Para tal, a investigação toma como ponto de partida dois conceitos fundamentais: a noção ampliada de topografia, extraída da literatura de David Leatherbarrow (2000, 2004) e o conceito de estratégia projetual, conforme proposto por Moneo (2008), guia para a análise do projeto da Igreja de Santa Maria, que, devido às suas características peculiares, possibilita desenvolver a discussão de boa parte das questões presentes no estudo original (NÓBREGA, 2012), por meio da análise de um único projeto. Portanto, o conceito de topografia permeia o trabalho longitudinalmente, enquanto a ideia de estratégia projetual atravessa-o transversalmente, estruturando a análise em cinco momentos.
“O termo ‘estratégia’, o outro conceito[3] que permitiu converter essas aulas em livro, é entendido aqui como mecanismos, procedimentos, paradigmas e artefatos formais que aparecem com insistência recorrente na obra dos arquitetos de hoje: entendo que os utilizem para configurar o construído” (MONEO, 2008, p. 9).
Embora de curta definição, o termo ganha consistência com a análise da obra de oito arquitetos, dentre os quais Siza, cuja obra é descrita como sendo dotada uma “personalíssima caligrafia arquitetônica” (MONEO, 2008, p. 9) após estudar a obra do arquiteto situada entre os anos 1950 e 1980. No entanto, este trabalho propõe analisar a obra de Siza a partir de outro olhar, a noção de ‘sensibilidade topográfica’, formulada a partir da literatura do crítico norte-americano David Leatherbarrow. Leatherbarrow reflete sobre a relação da arquitetura com o sítio[4] e da sua interface com as técnicas construtivas e compositivas. Para Leatherbarrow, a arquitetura contemporânea, quando concebida como um kit de peças a serem montadas, modifica “a relação entre edifício e o potencial do seu sítio, permitindo a montagem e construção em qualquer sítio, em grande medida independente de suas condições locais ambientais e climáticas” (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 17).
Esta cultura construtiva, portanto, coloca um desafio aos arquitetos contemporâneos: como fazer uma arquitetura adaptada ao lugar, se quase todos os elementos que irão compô-la já existem antes mesmo do projeto começar? (LEATHERBARROW, 2000, p. 54). Este desafio pode ser superado por meio de uma noção ampliada de topografia, a qual pode guiar a concepção e o estudo da arquitetura. O autor propõe uma definição ampliada de topografia, para além do seu conceito tradicional, de descrição minuciosa de uma determinada porção de superfície terrestre (DOMINGUES, 1979), entendendo-a como a arte do agenciamento das condições do lugar, o tema em comum entre as disciplinas da arquitetura e do paisagismo, artes, que dá configuração para a vida prática cotidiana (LEATHERBARROW, 2004).
A topografia pode ser entendida então como uma instância que dá suporte para a existência, de potencial representativo e figurativo, mas também funcional e prático para a arquitetura: “a tarefa do paisagismo e da arquitetura, como artes topográficas, é dotar os padrões prosaicos de nossas vidas com dimensão durável e expressão bela.” (LEATHERBARROW, 2004, p. 01). Portanto, a topografia incorpora também o relevo, do ambiente natural e construído, carregado de elementos da existência humana. É uma instância física que carrega vestígios imateriais, como indícios de ocupações humanas e acontecimentos passados, inscrições que fornecem um potencial criador para a arquitetura. Essa noção de topografia também pode ser entendida como um desdobramento do conceito anunciado nos anos 1980 pelos autores ligados ao Regionalismo Crítico[5].
Apesar de não analisar obras do arquiteto no livro Topographical Stories (2004), Leatherbarrow inclui na introdução duas fotos do projeto da Piscina das Marés (também de Siza, localizado em Leça da Palmeira, e construído em 1966), como ilustração dos argumentos propostos. Portanto, essa noção ampliada de topografia foi fundamental para um entendimento específico da obra de Siza.
3. Objeto empírico: A Igreja de Santa Maria em Marco de Canaveses
O edifício localiza-se na cidade de Marco de Canaveses, no norte de Portugal (a 50km do Porto), tendo sido concebido e construído entre 1990 e 1996. Trata-se de um conjunto composto pelos volumes da igreja (independente e proeminente) e do centro paroquial, auditório e moradia do pároco (embora este último só apareça no projeto e croquis, não tendo sido construído), que conformam um “U” que arrematam o volume da igreja o e conformam o pátio. Portanto, a análise considerará todo o conjunto projetado e se concentrará no edifício da Igreja, possível de ser percorrido interiormente.
Distante do centro histórico da cidade e marcado por um contexto circundado de edificações diversas e banais, o terreno é delimitado em uma das faces por uma via de tráfego intenso. No entanto, a acentuada diferença de cotas entre a via e a parte interna da escarpa fornece uma vista privilegiada para o vale da cidade, pontos de partida fundamentais para a compreensão do projeto. Os desenhos técnicos (plantas e cortes) do projeto foram reunidos no fim deste artigo para consulta.
4. As estratégias projetuais
No estudo original (NÓBREGA, 2012), o projeto da Igreja de Santa Maria (juntamente com o Museu de Arte Contemporânea de Serralves e a Fundação Iberê Camargo) foi descrito como um exemplo de projeto que realiza uma operação de inserção no sítio, por considerar que este “se apresenta de modo integrado, incrustado, inserido num sítio ou conjunto, lançando mão de complexas soluções espaciais no sentido do manejo da topografia para alcançar estes fins” (NÓBREGA, 2012, p. 108), por meio de operações que modificam a sua configuração. Esta definição fornece uma visão geral do entendimento do projeto com relação ao seu sítio, a qual será destrinchada a partir das cinco estratégias projetuais elencadas a seguir.
4.1 Apreensão do sítio e enquadramento da liberdade projetual
Uma característica que permeia a obra de Siza é a observação dos aspectos do sítio como ponto de partida para o desenvolvimento do projeto. Essa observação permite estabelecer uma aproximação com o que Leatherbarrow (2004) coloca como negociação entre liberdade projetual e restrições impostas pela realidade, particularmente pelo sítio. A partir disso, formulou-se a primeira estratégia projetual, apreensão do sítio e liberdade projetual, que questiona a noção de que existe uma escolha entre uma criatividade restrita e irrestrita a ser feita no processo projetual:
A liberdade, no processo projetual, pode ser preservada quando as leis da natureza são seguidas? A experimentação não depende das contingências de tempo e lugar, de expectativas e implicações, para ter valor e relevância? É possível fazer um bom projeto sem um bom cliente, sem construtores competentes e sem materiais que sejam pelo menos adequados? Cada um destes, no entanto, não limita o que um arquiteto pode vir a propor? Assumindo-se que limitações ou regras de algum tipo são necessárias no processo projetual, por imporem limites à plena liberdade, que tipo de regras estas poderiam ser? Elas são internas a uma disciplina, métodos de projeto ou de produção, por exemplo, ou são externas ao projeto, regras que derivam na natureza dos materiais de construção, por exemplo, ou regras do sítio? (LEATHERBARROW, 2004, p. 86).
Diante destes questionamentos, o desenho de observação apresenta-se como um modo de apreensão da realidade que permite capturar informações do sítio e incorporá-las ao projeto. Uma dessas informações, também presente em outras obras de Siza, é a ênfase dada às linhas de força do sítio (provenientes de elementos naturais ou construídos), que conferem estruturação ao projeto. Estas linhas tanto podem ser definidas com base em dados e processos mais abstratos, por meio da definição de grids e regras geométricas, ou mais concretos, como no reforço de linhas naturais circundantes. No projeto da Igreja de Santa Maria, esta apreensão do sítio pode ser inferida por meio dos croquis e desenhos de observação (como o presente na Figura 2), prática comum na obra de Siza, e que são frequentemente elaborados desde as primeiras visitas ao local.
A visita ao local pré-escolhido tinha-me perturbado profundamente: era um local dificílimo, com grandes diferenças de cota, sobranceiro a uma estrada com muito tráfego. Como se não bastasse, aquela zona estava marcada por edifícios de péssima qualidade. A construção desse centro paroquial é por isso e também a construção de um lugar, em substituição de uma escarpa muito acentuada (SIZA, 1998, p. 49).
Ao se referir a outro edifício projetado em um sítio em muitos aspectos semelhante ao sítio da Igreja, o Neurosciences Institute, dos arquitetos Williams & Tsien localizado La Jolla, Califórnia, Leatherbarrow menciona que “o caráter desalinhado e banal da paisagem aqui é essencial, pois a própria ausência de figuras proeminentes permite que elas sejam descobertas” (LEATHERBARROW, 2004, p. 26). Esta reflexão pode ser associada a um texto do próprio Siza sobre as referenciais iniciais para a concepção do projeto, que diz:
A referência inicial foi uma construção preexistente, uma residência para a terceira idade, de uma arquitectura correcta e ordenada, situada na cota superior da escarpa e com uma extensão muito significativa em relação à estrada. A partir deste novo nível, tudo o resto se foi articulando, reagindo à complexidade das construções existentes e permitindo finalmente a criação de um adro, aberto sobre o belíssimo vale de Marco de Canaveses (SIZA, 1998, p. 51).
Ainda que sua arquitetura não se destaque no entorno, o volume da residência para idosos foi fundamental para estruturar o conjunto, por introduzir a linha diagonal que desloca o volume da igreja de um possível paralelismo com a via, alinhando-o com a mesma (como observa-se no croqui da Figura 2). A exuberância da paisagem circundante também faz parte destes elementos do sítio que foram apreendidos, neste caso para reforçar o caráter religioso e sublime da edificação e do conjunto. Deste modo, Siza criou uma ambiência que media entre o entorno imediato, um contexto suburbano confuso, com a privilegiada situação, um promontório com vistas para o vale ao fundo (Figura 3).
O conjunto se situa num ponto de tensões, onde a convergência destas é o enquadramento inicial da liberdade projetual, onde Siza comenta que “o que é preciso, e que está na origem do meu trabalho, é criar como que uma grelha. Novamente uma grelha.” (BEAUDOIN, MACHABERT, 2009, p. 171). Na busca por esta grelha estruturadora, os caminhos de pedestres existentes, que ligam a rua da cota mais alta até a avenida, cota mais baixa, também foram fundamentais para a articulação do conjunto.
Originalmente, o projeto era composto pelo volume da igreja e por um volume em U que abriga o centro paroquial e a residência do pároco. Esta última, não construída, era um dos lados deste U, e contribuiria para uma melhor delimitação do pátio, que se contrapunha ao pequeno U formado pelas torres do campanário e do batistério da igreja que antecedem a sua entrada. Como a casa do pároco não foi construída, o bloco em U ficou reduzido a um L, no entanto, a própria elevação da escarpa ajuda a delimitar naturalmente este recinto.
4.2 A construção como cultivo
Contradizendo a noção de que arquitetura moderna entendia o terreno como uma tábula rasa, Leatherbarrow (2004) propõe uma aproximação das noções de construção e cultivo para mostrar que a edificação pode contribuir para preparar, cuidar, desenvolver e aperfeiçoar aspectos presentes no sítio. Como exemplo, ele destaca aspectos da obra do arquiteto Richard Neutra e do paisagista Garrett Eckbo, mostrando que na obra de ambos há um processo de duas etapas: “a descoberta ou detecção do que está escondido em um lugar e a revelação dos seus ‘tesouros’” (LEATHERBARROW, 2004, p. 65).
Portanto, define-se a construção como cultivo quando se concebe o edifício como algo que brota do terreno a partir intervenção humana, por meio de recursos como cortes e adições, não como algo que nele é pousado sem a realização de quaisquer manipulações. A noção de construção enquanto algo cultivado tira partido das suas preexistências, que em princípio poderiam constituir restrições.
Na Igreja de Santa Maria, a face voltada para a avenida evidencia as linhas de força que estruturam o conjunto, oriundas tanto da já mencionada residência para idosos, quanto de um pequeno conjunto de casas ao lado do centro paroquial. Estes alinhamentos são reverberados no desenho da base sobre a qual assenta e é articulado o conjunto, base que é o principal gesto de cultivo deste terreno. Os alinhamentos da igreja com os edifícios vizinhos são prolongados até o encontro com a avenida, ponto onde fazem uma inflexão a 90º que abre um pequeno pátio na cota da via e direciona o visitante ao início do percurso de subida ao pátio e ao conjunto como um todo. O ritmo e a proporção das faces cegas do conjunto de casas também são continuados no desenho do centro paroquial (o bloco em L) que, junto com a igreja, configura o pátio superior (Figura 4).
Os vários percursos de acesso também são cultivos das próprias características do sítio. O conjunto pode ser acessado por três pontos distintos: a partir da central do terreno, no ponto localizado junto à avenida, pelas escadas adjacentes à plataforma, que conduzem diretamente ao pátio superior; a partir da parte posterior da igreja, em um ponto com ligação direta com a capela mortuária; ou por duas ruas em cotas mais elevadas, uma delas que liga o conjunto de casas à esquerda do pátio e a outra que segue paralelamente á residência de idosos localizada ao lado direito da igreja.
Um dos percursos de acesso, aquele que se desenvolve a partir de uma rua elevada que margeia o conjunto de casas junto ao centro paroquial, é trabalhado de modo a realizar uma suave transição de escalas, da ambiência intimista e acolhedora das casas para a monumentalidade do conjunto da igreja. Esta transição é feita por meio de um cuidadoso trabalho com o volume do centro paroquial, cujo que apresenta uma suave curva que direciona o olhar para o volume da igreja, mas que possui altura semelhante à do conjunto de casas. Deste modo, há uma mudança gradativa entre estes espaços, onde o usuário pode aceder diretamente ao pátio da igreja ou descer para a avenida (Figura 5).
O percurso principal é trabalhado de forma a prolongar a caminhada até o acesso aos edifícios, composto por várias mudanças de direção, que fazem a transição entre as ambiências distintas. Os muros em pedra dão acesso a uma escadaria perpendicular, que abre a primeira visada para a paisagem, colocando o visitante de costas para a igreja. Ao mudar de direção para dar continuidade ao percurso de acesso, tem-se uma visão parcial do pátio, que é delimitada pelas fachadas laterais do centro paroquial e da igreja. Ao fim deste percurso, chega-se finalmente ao pátio na cota superior. Deste ponto, o pátio é uma espécie de acrópole para a cidade e para a paisagem ao fundo, cujo enquadramento gerado pelos edifícios, proporciona um distanciamento suficiente da movimentação da avenida, ao mesmo tempo em que aproxima e abre-se, como uma grande janela, para a paisagem (como pode ser observado na sequência de imagens da Figura 6).
Uma igreja é um edifício público, institucional, mas não ao mesmo nível que os outros. Goza de uma certa autonomia no tecido urbano. Deve, de uma maneira ou doutra, destacar-se dele. Isso não quer dizer que tenha que ser mais alto do que os outros, mais dominante. Mas esse destaque, essa autonomia de que eu falo é de outra natureza, mais complexa e profunda. (BEAUDOIN, MACHABERT, 2009, p. 184)
Este tempo e espaço de transição distanciam o conjunto do caráter mundano do entorno, pois do centro da plataforma não é possível ver a maioria das edificações circundantes e a visão é direcionada para o vale. Do pátio, contempla-se um lugar distante dos sons e da visão do subúrbio, no qual o caráter sacro é conseguido por esta elevação do conjunto, numa mediação entre profano e sagrado (ELIADE, 1957). Do mesmo modo, essa aproximação da paisagem também é sentida no interior da igreja, por meio do trabalho com a luz e a paisagem local. Na face direita da nave ela é feita através de uma extensa abertura, posicionada na altura do visitante sentado (que é como se vivencia boa parte do ritual religioso), que igualmente o distancia do entorno imediato e traz para perto a paisagem do vale. Já as aberturas localizadas ao fundo e ao topo da nave filtram a luz e reforçam a carga simbólica do projeto, explorando a dramaticidade desses efeitos nos espaços internos, compondo com elementos do próprio sítio os seus interiores, que são desprovidos de imagens ou figuras sacras (Figura 7).
4.3 Terraplenagem como estruturação do projeto
Como o projeto de um edifício pode reconhecer as particularidades do sítio quando as práticas construtivas utilizam elementos e tecnologias que não obedecem a obrigações territoriais? Os materiais construtivos encontrados no entorno ainda desempenham algum papel na determinação da forma arquitetônica, sabendo-se que existem novas alternativas menos dispendiosas e mais vantajosas? (LEATHERBARROW, 2004, p. 21)
Ao refletir sobre questões que permeiam a prática da arquitetura na atualidade, Leatherbarrow diz que esta “pode, de fato, ser entendida como uma ‘afloração’ cultivada e construída a partir de um sítio”, (2004, p. 17), sendo a terraplenagem é uma das estratégias responsáveis pela estruturação do projeto. O autor defende a terraplenagem como o próprio enquadramento do projeto (“earthwork as framework”), podendo, portanto contribuir para mediar algumas destas questões.
Citando novamente o Neurosciences Institute, de Williams & Tsien, Leatherbarrow pergunta “o que é básico para a definição de um lugar num terreno extenso e desarticulado?” (LEATHERBARROW, 2004, p. 23) e afirma que a manipulação do sítio, que tem início com o corte da terra e o preparo da base do edifício, seria esse elemento de articulação. Esta estratégia de terraplenagem enquanto estruturação do projeto, pode ser observada nos atos de escavar, estender, cortar e continuar determinadas porções do terreno, estratégias que caracterizam o projeto de Williams & Tsien, e que, neste sentido, também possui vários pontos em comum com o projeto da igreja.
No Neurosciences Institute, o espaço central circular da praça que articula o conjunto é o ponto de confluência de caminhos preexistentes que se ligam à paisagem distante. A praça é delimitada com muros de contenção que abrigam espaços incrustados no relevo. As paredes do auditório, em parte semienterrado, também funcionam como muros de contenção da escavação. Com esta movimentação de terra, foi criado um monte que delimita a praça em um dos lados. Os recursos de terraplenagem são visíveis no zoneamento do conjunto, na distribuição do programa e na escolha dos materiais.
O tema da terraplenagem também se destaca na Igreja de Santa Maria, por exemplo, na plataforma em granito que assenta os volumes e no corpo da igreja propriamente dito (como pode ser observado nos diversos ângulos da maquete da Figura 8). Assim, a terraplenagem estrutura o projeto por meio de dois aspectos: pela relação imbricada entre o desenho da plataforma e a configuração topográfica do entorno (terreno e edificações circundantes) e pela incrustação de parte do programa da igreja nesta mesma plataforma. A base em pedra funciona como um dispositivo de organização dos percursos e de controle das intervenções ao longo do terreno, além de realizar a contenção da escarpa e de delimitar o perímetro do conjunto nas suas faces localizadas junto à estrada.
Como mostram os percursos de acesso às duas cotas, trata-se de espaços com características decisivamente diferentes. A capela mortuária é quase a fundação da própria igreja: cria uma cota estável, fixa, para que a igreja possa apoiar-se. Além disso, com os seus muros de granito e o claustro, estabelece a distância em relação à estrada (SIZA, 1998, p. 51).
Já o volume da igreja, proeminente e aparentemente autônomo da base à primeira vista, desenvolve-se em dois níveis principais: um nível superior, onde se situa a assembleia e a nave principal, e um nível inferior, que abriga instalações de serviço e a capela mortuária. Ambos podem ser acessados de modo independente: a assembleia a partir do pátio - no nível superior, e a capela mortuária a partir do interior da igreja e do seu exterior, através de uma escada que liga o pátio à capela mortuária, que se abre para a avenida (Figura 8).
Inserida nesta diferença de cotas e escavada na escarpa como a fundação da própria igreja, a seguir a capela mortuária tem-se um pequeno claustro que dá suporte às cerimônias e uma galeria dupla que garante o distanciamento entre este espaço e a o passeio que vai ligar diretamente à avenida, permitindo que o seu funcionamento aconteça de modo autônomo ao funcionamento da igreja.
4.4 Fragmentação versus frontalidade
Projetar um edifício também significa determinar sua aparência, sua imagem, como este irá se revelar, o que geralmente envolve o ato corriqueiro de compor volumes e fachadas. A prática de enfatizar o aspecto frontal e pictórico dos edifícios ainda persiste, pois a fachada, sobretudo a frontal, é vista como algo que identifica o edifício, que confere a sua aparência singular. Entretanto, Leatherbarrow (2000) critica esta ênfase na composição das fachadas, sobretudo frontais, e sugere que o ato de conceber as fachadas vai além da determinação da sua imagem, pois estes raramente são percebidos do modo como foram concebidos, como fotografias planas, ou seja, a forma como os usuários se aproximam e experimentam os edifícios interfere nesta leitura.
Nos anos 1970 e 1980, como já citado, arquitetos como Rossi, Graves e Venturi utilizaram a dimensão frontal e pictórica dos edifícios para rearticular motivos encontrados na história ou no entorno imediato. Assim, a conformidade entre os edifícios e o sítio resultaria dessa semelhança e repetição. Entretanto, Leatherbarrow questiona esta ênfase pictórica conferida ao desenho das fachadas, e propõe outras formas de se conceber o projeto, por meio de um desenho que favoreça a leitura do edifício por meio da experimentação de todas as suas faces e privilegiem a noção de todo do conjunto:
É possível atribuir significado a arquitetura sem ser recorrer a uma mera exibição ou demonstração de imagens? O que envolveria o desenho de uma arquitetura não cenográfica? Como podemos falar de tal arquitetura ou descrevê-la sem imediatamente transformá-la naquilo que queremos evitar, outro conjunto de objetos-para-serem-vistos ou, mais ambiciosamente, para serem lidos? (LEATHERBARROW, 2000, p. 77)
Esta ênfase na face frontal e pictórica do edifício pode ser entendida quando o autor compara o contraste existente entre à fachada frontal e a dos fundos por meio da análise das casas Tzara (Paris, 1926) e Rufer (Viena, 1922), do arquiteto Adolf Loos. Na Tzara House, a fachada frontal apresenta-se de modo autônomo e de fácil legibilidade, enquanto a fachada dos fundos é fragmentada pela sobreposição e escalonamento dos volumes dos terraços. Já na Rufer House, essa noção de fragmentos permeou todas as fachadas, sendo as aberturas são o resultado direto das necessidades internas. Leatherbarrow também aponta esse argumento em duas creches-escolas de Richard Neutra[6], que apresentam uma fragmentação dos volumes, espaços fluidos e transição suave entre interior e exterior. Em ambos os casos, observa-se que o que poderia significar um enfraquecimento da imagem do edifício, acaba por constituir sua coesão e sua inserção na topografia.
Em suma, sugere-se que a substância representativa das fachadas pode ser obtida por outros mecanismos para além da incorporação de motivos dos seus arredores, como, por exemplo, pelo trabalho com os volumes da própria edificação considerando também das edificações do entorno. Estes exemplos evidenciam o modo com que alguns arquitetos conceberam as fachadas e volumes de seus projetos a partir de um entendimento topográfico do entorno. Sobre isso, Siza comenta que:
Há muitas igrejas que não se reconhecem a não ser pelo símbolo distintivo da cruz. Foi o que eu quis evitar. Mesmo que haja uma, não será através dela que deveremos saber que estamos perante uma igreja, assim como não é preciso meter um painel de “saída” em frente a uma porta se ela for bem desenhada. É a maneira como o espaço se organiza que conduz automaticamente a essa porta (BEAUDOIN, MACHABERT, 2009, p.182).
O tema da fragmentação versus frontalidade também pode ser observado em escalas distintas na Igreja de Santa Maria. A base, a grande plataforma granítica, como já salientado, funciona como um todo, um sistema unificador, que controla e organiza o conjunto e sua relação com o espaço público. Entretanto, dispostos sobre essa base estão os volumes da igreja e do centro paroquial, cuja fragmentação está tanto na forma como estes estão dispostos sobre a base, ou seja, na escala do todo, quanto na própria geometria dos edifícios, na escala de suas partes.
O conjunto se revela de forma evidente a partir de suas fachadas laterais do que da própria fachada frontal da igreja. A partir da avenida, por exemplo, tem-se primeiramente a visão de suas faces laterais para só então, ao adentrar o espaço do adro, e poder experimentar o conjunto de modo frontal. Sobre a igreja, Siza afirma que esta “é igualmente um bloco, retangular, que se dilata num dado momento para tornar o corpo da igreja autônomo em relação ao corpo geral, preservando as formas na sua ligação e na sua geometria globais” (BEAUDOIN, MACHABERT, 2009, p. 184).
O desenho do bloco do centro paroquial é fragmentado tanto para induzir o percurso de quem vem do conjunto de casas, através da suave curva e do volume que saca e conforma um L, como já visto, quanto para contribuir para a delimitação do próprio espaço do adro. Já a geometria do volume da igreja é reduzida ao mínimo, mantendo apenas os elementos essenciais deste tipo, que são as duas torres que conformam um pequeno recinto de entrada, marcado pela monumental porta, uma reinterpretação contemporânea da tipologia sacra (Figura 9). Em entrevista, o arquiteto comenta que:
Num edifício público a porta tem de ser maior, logo. […] O que eu quero dizer com isto é o seguinte: temos, em todos os aspectos da arquitetura, já que focam neste, uma ajuda que às vezes nos irrita, não é, mas que no fundo é preciosa. Temos a ajuda do funcional. A palavra caiu tanto em desgraça, o funcional. Portanto, num edifício público, logo, de necessária dimensão, e também a dimensão do espaço que a antecede e do espaço depois são logo indicativos obrigatórios que são como que uma introdução segura ao tema do simbolismo da entrada, da leitura da entrada (NÓBREGA, 2012).
Sem recorrer a imagens ou figuras, mas a partir da sensível instalação no território, através de sua escala, da implantação e da incorporação de valores arquétipos (como, por exemplo, através do desenho monumental da porta de entrada), a igreja surge como uma presença totêmica na pequena cidade. O conjunto reorganiza parte do seu tecido urbano e dá sentido à sua configuração, como era comum no ato de fundação das cidades portuguesas e, consequentemente, brasileiras, onde a igreja matriz funcionava como um marco na estrutura urbana.
4.5 Tempo e materialidade
Por fim, a última estratégia diz respeito às questões da materialidade, da passagem do tempo e dos seus efeitos sobre a sua escolha e envelhecimento. Em On Weathering (1993), Leatherbarrow e Mostafavi, tratam da escolha e do comportamento dos materiais ao longo do tempo e das implicações filosóficas e éticas deste processo na arquitetura. Os autores ressaltam a relação entre ambiente e comportamento dos materiais, a importância da escolha consciente e o efeito das intempéries enquanto marcas da passagem do tempo. Se os efeitos do envelhecimento material nos edifícios podem ser positivos para sua aparência, estes podem ser controlados e previstos se os materiais e sistemas construtivos levarem em consideração as características do ambiente no qual estão inseridos. No livro, os autores mencionam a obra de Siza exemplo de arquiteto que utilizou sabiamente os materiais, de acordo com as condições ofertadas.
Nota-se uma presença consistente do granito que, nesta região, é um dos elementos mais importantes na paisagem, quer na Natureza que na construção. Neste projecto, a plataforma em granito surge como contraponto necessário à leveza e à grande concisão geométrica do volume branco. Em algumas horas do dia a igreja quase que se desmaterializa: ora parece desaparecer, ora, noutras ocasiões, sobressai quase que violentamente. Era por isso necessária uma base que a prendesse ao solo (SIZA, 1998, p. 67).
Na Igreja de Santa Maria, o diálogo entre sítio e materialidade se dá tanto através de aproximações quanto de contrastes. A base granítica que assenta o conjunto no solo, material abundante e bastante característico da região, cria uma continuidade física e visual em relação ao entorno (tanto imediato, quanto daquele caracterizado pela região norte do país de um modo mais amplo), reforçando a integração entre estes espaços, regiões e culturas, bem como o caráter público e cívico que o conjunto religioso desempenha para a cidade. Além disso, as paredes brancas e caiadas, se por um lado contrastam com o entorno e marcam a presença dos volumes na paisagem, por outro fazem referência às construções religiosas e cívicas tradicionais (Figura 10).
Esta referência à arquitetura vernacular tradicional é reforçada pela incidência da pátina tanto nas superfícies lisas e planas caiadas quanto na base rugosa em pedra, fazendo com que a arquitetura constitua, por meio de sua dimensão material, uma testemunha perene desta passagem do tempo.
Nos espaços internos, os materiais utilizados têm seus efeitos acentuados pelo modo indireto e difuso como a luz penetra, seja adquirindo um aspecto mais corpóreo e robusto, como no caso dos volumes em reboco branco, seja desmaterializando-se, como nos azulejos que revestem o interior da torre do batistério, ou nos volumes escultóricos em granito, cujo peso e solidez são contrabalançados pela água que jorra continuamente na pia batismal (Figura 7).
5. Considerações finais
Instalar-se num território equivale, em última instância, a consagrá-lo: quando a instalação já não é provisória, como nos nômades, mas permanente, como é o caso dos sedentários, implica uma decisão vital que compromete a existência de toda a comunidade. “Situar-se” num lugar, organizá-lo, habitá-lo – são ações que pressupõem uma escolha existencial: a escolha do Universo que se está pronto a assumir ao “criá-lo”. (ELIADE [1957], 1992, p. 23)
Esta breve passagem de Mircea Eliade sintetiza a impressão final que se tem após analisar a relação do conjunto composto pela Igreja de Santa Maria e seus edifícios de apoio com o sítio no qual se encontra inserido. Por meio dos recursos arquitetônicos, sintetizados ao longo deste trabalho em cinco estratégias projetuais, a obra, quando analisada à luz da noção ampliada de topografia, permite refletir sobre questões sempre atuais no entendimento e desenvolvimento de projetos arquitetônicos, tais como: a apreensão de elementos do sítio como enquadramento inicial do projeto; a implantação, guiada por meio de atitudes análogas à noção de cultivo; a articulação de um volume ou entre volumes através de mecanismos contidos na ideia de terraplenagem; os diferentes artifícios para composição de volumes e fachadas e a exploração da dimensão temporal dos materiais.
Estas questões despertam para a possibilidade de desenvolvimento de investigações futuras, que tomem como base um método similar, caracterizado pela combinação entre um conceito longitudinal (neste caso a noção ampliada de topografia), com questões que o atravessam (as estratégias projetuais), possibilitando a identificação de novas estratégias que, por sua vez, podem contribuir com uma prática reflexiva da arquitetura.
Agradecimentos
Ao arquiteto Álvaro Siza, que gentilmente concedeu duas entrevistas ao longo da pesquisa de mestrado intitulada “Sensibilidades Topográficas em Álvaro Siza”, desenvolvida por Lívia Morais Nóbrega, sob a orientação de Fernando Diniz Moreira, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre 2010 e 2012, com período sanduíche no curso de Mestrado Integrado em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), em Portugal, entre 2010-2011; à Associação Casa da Arquitectura, que abriga o Centro de Documentação Álvaro Siza, que forneceu dados do sobre a obra do arquiteto; à Bruno Firmino pela ajuda com as imagens e à Capes e à FACEPE, pelo apoio institucional e financeiro.
Referências
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Apêndices:
Notas:
[1] Cuja formação e produção situa-se no período compreendido entre meados dos anos 1950 até os dias atuais, com obras em sua maioria construídas em Portugal, mas também com diversos projetos ao redor do mundo.
[2] Embora a produção do arquiteto esteja inserida entre os períodos comumente chamados de pós-moderno e contemporâneo, a influência do Movimento Moderno em sua obra pode ser inferida através da referências a estes feiras pelos seus mestres, sobretudo Fernando Távora, bem como de referências explícitas feitas pelo próprio Siza, que podem ser observadas tanto visualmente em alguns de seus projetos, quanto em seus próprios textos que frequentemente mencionam os arquitetos Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto , Adolf Loos e Richard Neutra (BEAUDOIN, MACHABERT, 2009; MORAIS, 2008).
[3] Sendo o primeiro conceito, a ideia de “inquietação”, um modo de abordar o estudo da arquitetura, que resultou em ensaios críticos guiados mais por uma inquietação do que pela elaboração de uma teoria sistemática. Ambos os termos, inquietação e estratégia projetual, são o cerne da publicação “Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos” (MONEO, 2008).
[4] Este trabalho adota o termo ‘sítio’ (em detrimento de conceitos como lugar, paisagem, contexto ou região, aos quais a obra de Siza também é associada) por ser o termo mais recorrente tanto nos seus próprios escritos, quanto na literatura de Leatherbarrow.
[5] “A ênfase e o comprometimento com a topografia (o modelo de lugar construído) contrastam drasticamente com o ideal próprio ao Estilo Internacional de um terreno plano e desobstruído” (NESBITT, 2006, p. 503) e “Pode-se afirmar que o Regionalismo crítico é regional na medida em que invariavelmente enfatiza certos fatores específicos do lugar, que variam desde a topografia, vista como uma matriz tridimensional à qual a estrutura se amolda até o jogo variado da luz local que sobre ela incide” (FRAMPTON [1980], 1997, p. 396)
[6] Child Guidance Clinic, no campus da University of Southern Califórnia e a Nursery-Kindergarten, no campus da UCLA, ambas em Los Angeles.
Minicurrículos
Lívia Nóbrega Arquiteta e Urbanista (2009), mestre em Desenvolvimento Urbano (2012) e doutoranda em Desenvolvimento Urbano (2017-atual) pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi aluna de mobilidade discente na graduação (2007-08) e no mestrado (2010-11) na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), Portugal e realizou Doutorado Sanduíche (2019-20) no Royal Institute of Technology, KTH, em Estocolmo, Suécia. Atualmente é professora assistente na área de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE (2015-atual) e membro do grupo de pesquisa Morfologia da Arquitetura e do Urbanismo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tem interesse e experiência nas áreas de história, morfologia e teoria da arquitetura moderna e contemporânea. Correio eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Link Currículo Lattes: | |
Fernando Moreira Arquiteto pela Universidade Federal de Pernambuco (1989) e historiador pela Universidade Católica de Pernambuco (1991). É mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE (1994) e em arquitetura pela University of Pennsylvania (2001) e Ph.D. em Arquitetura pela University of Pennsylvania (2004). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisador nível 2 do CNPq e assessor ad hoc da Capes, do CNPq, da Fapesp e do Arts & Humanities Research Council-UK. Sua área de interesse reside em teoria e história da arquitetura, história do urbanismo e conservação. Sobre estes assuntos tem cerca 70 artigos, livros e capítulos de livros publicados em mais de dez países. Tem também experiência profissional em conservação urbana e arquitetônica, tendo participado das equipes do Plano Metrópóle 2010 (1998), Plano Diretor do Conjunto Franciscano de Olinda (2005-06) da Casa Torquato de Castro (2010) e do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (2011). Correio eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Link Currículo Lattes: |
Como citar:
NÓBREGA, Lívia; MOREIRA, Fernando. Sensibilidades Topográficas em Álvaro Siza: Estratégias Projetuais da Igreja de Santa Maria em Marco de Canaveses. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.19, e130, p. 1-24, jul /dez. /2020. Disponível em:http://revista5.arquitetonica.com/index.php/periodico-1/ciencias-sociais-aplicadas/sensibilidades-topograficas-em-alvaro-siza-estrategias-projetuais-do-conjunto-da-igreja-de-santa-maria-em-marco-de-canaveses#_ftn3
Submetido em: 2020-05-12
Aprovado em: 2020-06-23
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