NOTAS DE UM TRADUTOR: I - CATEQUESE TRADUTÓRIA
OLEG ALMEIDA
Hoje estou inspirado! Apetece-me dizer muita coisa aos meus colegas, tradutores literários, e, sobretudo, a quem andar estudando idiomas na expectativa de abraçar a mesma carreira. Bem sei que os discursos longos tendem a distrair o ouvinte, em vez de atraí-lo, portanto me limitarei a uma dúzia de conselhos breves e práticos. Espero que algo semelhante à catequese tradutória não ocasione irritação a ninguém...
Você que me ler porventura, veja se me desculpa por este tom magistral que vou adotar:
A - Domine ambas as línguas, tanto a da qual for traduzir quanto a para a qual for traduzir: não poupe esforços para se esmerar em linguística, lendo os dicionários e tratados acadêmicos como se fossem romances, nem deixe nenhum detalhe, por menor que seja e por mais insignificante que lhe pareça, no limbo da incompreensão.
B - Escolha bem as obras a traduzir: o “lixo cuidadosamente escolhido”, de que fala Baudelaire, será reproduzido, em todos os idiomas imagináveis, sem você participar dessa empreitada.
C - Não se apresse: os textos literários de alta qualidade gostam, em sua maioria, de ser lidos e relidos, pensados e repensados, por muito tempo.
D - Trate o autor traduzido com todo o respeito: mesmo se discordar cabalmente dele, não modifique nem adapte, de modo algum, o que ele escreveu, permitindo que os leitores o julguem como lhes aprouver.
E - Não interprete: atribuir suas próprias convicções políticas e preferências estéticas ao autor traduzido, seja ele quem for e, máxime, se não viver mais neste mundo, é um pecado dos grandes.
F - Não complique nem descomplique o que estiver traduzindo: siga os passos do autor, um por um, abstendo-se de inventar os floreios verbais que não constarem do seu texto e de clarear as passagens obscuras que dele constarem.
G - Seja exato: caso o autor traduzido ficar gaguejando, imite zelosamente os gaguejos dele; caso se engasgue, tussa de igual maneira; caso diga algum disparate, repita-o fazendo de conta que o acata em gênero, número e grau.
H - Opte por uma linguagem clara e objetiva: evite os arcaísmos, neologismos, regionalismos e outros termos incomuns, a não ser que o emprego deles seja imprescindível.
I - Procure por bons exemplos: que os trabalhos de Carlos Alberto Nunes e Jamil Almansur Haddad, Guilherme de Almeida e Paulo Rónai, sempre estimulem você a melhorar o desempenho profissional.
J - Por último, nunca se esqueça de que, ingrato e mal remunerado, o ofício de tradutor não é menos nobre que o de escritor ou de qualquer outro artista: lembre-se disso todas as vezes que for censurado por “gastar seu tempo à toa”.
Pois bem... Feitas essas premissas, cumpre-me, talvez, elucidar algumas delas. Vamos lá?
Autor
Nascido na Bielorrússia em 1971 e radicado no Brasil desde 2005, Oleg Almeida é poeta, ensaísta e tradutor multilíngue, sócio da União Brasileira de Escritores (UBE/São Paulo). Autor dos livros de poesia Memórias dum hiperbóreo (2008; Prêmio Internacional Il Convívio de 2013), Quarta-feira de Cinzas e outros poemas (2011; Prêmio Literário Bunkyo de 2012), Antologia cosmopolita (2013) e de numerosas traduções do russo (Diário do subsolo, O jogador, Crime e castigo, Memórias da Casa dos mortos e Humilhados e ofendidos de Fiódor Dostoiévski; Pequenas tragédias de Alexandr Púchkin; Canções alexandrinas de Mikhail Kuzmin; Contos russos, vv. I-III) e do francês (O esplim de Paris: pequenos poemas em prosa de Charles Baudelaire; Os cantos de Bilítis de Pierre Louÿs).
Como citar:
ALMEIDA, Oleg. Notas de um tradutor: I Catequese tradutória. Revista 5% arquitetura+arte, Magazine, São Paulo, ano 13, volume 02, número 15, p.p. 91.1 - 91.3, jan., jul. 2018. disponível em:http://revista5.arquitetonica.com/index.php/uncategorised/notas-de-um-tradutor-i-catequese-tradutoria
Acessos: 2532