Meu método de leitura

Categoria: Literatura Imprimir Email

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RICARDO CARRANZA

 

Parto do princípio de que o autor é vivo e desconhecido do meio literário. Escolho dele o poema que me magnetiza. A arte de perder de Elizabeth Bishop tem essa qualidade. Leio o poema muitas vezes. Questiono a função do estribilho – A arte de perder não é nenhum mistério.

Reescrevo o poema sem ele. Observo o resultado. Reviso o que acabei de fazer mantendo a frase apenas na primeira e última linha. Lendo e relendo resolvo recuperar a versão original. Leio em voz alta. Mudo palavras. Subverto a ordem dos fatos. Coloco – o relógio de mamãe entre vírgulas logo depois de – chave perdida. Não há limites à minha ousadia. Estrago a obra à vontade. A cada transgressão minha adesão ao poema cresce. A beleza da linguagem seduz. É simples, direta, objetiva. É como se Elizabeth apresentasse o seu poema a um pequeno grupo de amigos no Bar Brahma. Sua voz é clara com leves oscilações da emoção que resvala o ritmo da leitura. Ouvimos, relaxados, o timbre dessa mulher tão próxima. Chegamos a esquecer a grandiosidade do tema. E note que Bishop toca em – uma permanência no mundo (CARPEAUX). A abordagem é subversiva. A vida não é um mar de rosas. Viver é adquirir perdas e normalizá-las. Quem não perdeu uma casa, um bairro ou um país inteiro? E com o suporte da perda, seus protagonistas e, não raro, sua história. Gente de carne e osso perdida. E o vazio, incomensurável, remanescente. Perde-se tudo, a poeta nos diz, até mesmo o amor. A abordagem coloquial edifica uma tragédia na brevidade de um poema de pouca extensão. Sinto-a subitamente fria. Lúcida. Perder, seja o que for, não é nada sério. Aceita-se o irrevogável. Ergue-se a cabeça. Segue-se em frente. É uma exigência da vida. A própria força do acidente, qualquer que seja a sua proporção, se escoa nos afazeres do dia a dia. O esquecimento é o sudário dos mortos (SAND). Então não faça uma tempestade num copo d’água. Considere. Até mesmo a morte, convenhamos – não é nenhum mistério.   

    Ricardo Carranza
    Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2000, foi diretor do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editor da revista 5% Arquitetura + Arte e escritor. Publicações: Antologias de Concursos Nacionais – SCORTECCI, SESC DF; revista de literatura – CULT; sites de Poesia e Literatura – Zunái, Stéphanos, Germina, Cult - Ofi-cina Literária, Mallarmargens, Cronópios, O arquivo de Renato Suttana, Triplov, Gueto, Ruído Manifesto, Pensador, Pixé, Acrobata. LIVROS: Poesia – publicados: Sexteto, Edição do Autor, SP, 2010; A Flor Empírica, Edição do autor, SP, 2011; Dramas, Editora G&C, SP, 2012, Centelha de Inverno, Editora G&C, SP, 2019, Sóis, Editora G&C, SP, 2021. Inéditos – Pastiche, 2017/2018; poesia... 2019. Contos – inéditos: A comédia dos erros, 2011/2018 – pré-selecionado no Prêmio Sesc de Literatura 2018; Anacronismos, 2015/2018; 7 Peças Cáusticas, 2018. Romance inédito: Craquelê, 2018/2019. Cadernos de Insônia (58): desde 2009. ARTIGOS publicados na revista 5% Arquitetura + Arte desde 2005; Pintor, site:carranzapoetrypaintings.art.br

    Como citar:

    CARRANZA, Ricardo. Meu método de leitura. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 14, v. 01, n.18, e125, p. 1-2, jul./dez/2019. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/uncategorised/metodo-de-leitura

     

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