A Teoria do Gesto Único

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RICARDO CARRANZA 

Não se entra no mesmo rio duas vezes.

Heráclito 

A máxima irredutível de um dos maiores filósofos desde a Grécia Clássica, e o único que se manteve irredutível sob o feroz escrutínio de Nietzsche, possui o mérito de traduzir a essência da natureza, no seu sentido mais amplo, como movimento permanente. Ousamos aproximar a brilhante constatação de Heráclito de Éfeso à nossa teoria do gesto único, este que nada mais é, no âmbito da microescala do sujeito, que movimento contínuo, rápido e irretocável. A obra foi inspirada na técnica da caligrafia chinesa, entretanto separamos a expressão plástica do ideograma de sua função linguística. Para alguns isto pode soar um tanto herético; para nós é apenas liberdade de criação.

Durante alguns meses pandêmicos, dediquei-me, pacientemente, à produção de dez ou quinze obras diárias, executadas em tinta acrílica preta sobre papel sulfite A4; com sorte, de cada sessão salvavam-se um ou dois resultados convincentes; de posse de uma centena, selecionei a pequena mostra.

A teoria do gesto único, isto é, de fatura irretocável, possui, a nosso ver, certo parentesco com a fotografia ou o Haiku enquanto um registro que reflete o rio do tempo. Não nos é dado penetrar na coisa em si, como sabemos. Jamais saberemos como é ser um gato ou uma flor. A linguagem é o modus operandi com que penetramos o mundo, já que existe sempre um filtro entre nós e a coisa em si, quer seja o gato, a flor ou aquilo que se convencionou chamar de – o semelhante. Traduzir o mundo, isto é, o tempo, é o atributo do Ser.

Talvez você que nos acompanhou até aqui poderia nos questionar: então uma carga de tinta numa folha de papel pode ser uma síntese do tempo? E nós lhe responderíamos: sim, da mesma forma que um grão de areia pode conter os elementos que constituem a estrela, por exemplo. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    Ricardo Carranza
    Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2000, foi diretor do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editor da revista 5% Arquitetura + Arte e escritor. Publicações: Antologias de Concursos Nacionais – SCORTECCI, SESC DF; revista de literatura – CULT; sites de Poesia e Literatura – Zunái, Stéphanos, Germina, Cult - Ofi-cina Literária, Mallarmargens, Cronópios, O arquivo de Renato Suttana, Triplov, Gueto, Ruído Manifesto, Pensador, Pixé, Acrobata. LIVROS: Poesia – publicados: Sexteto, Edição do Autor, SP, 2010; A Flor Empírica, Edição do autor, SP, 2011; Dramas, Editora G&C, SP, 2012, Centelha de Inverno, Editora G&C, SP, 2019, Sóis, Editora G&C, SP, 2021. Inéditos – Pastiche, 2017/2018; poesia... 2019. Contos – inéditos: A comédia dos erros, 2011/2018 – pré-selecionado no Prêmio Sesc de Literatura 2018; Anacronismos, 2015/2018; 7 Peças Cáusticas, 2018. Romance inédito: Craquelê, 2018/2019. Cadernos de Insônia (58): desde 2009. ARTIGOS publicados na revista 5% Arquitetura + Arte desde 2005; Pintor, site:carranzapoetrypaintings.art.br

     

    Como citar:

    CARRANZA, Ricardo. A Teoria do Gesto Único. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 16, v. 01, n.21, e196, p. 1-5, jan./jun./2021. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arte/o-gesto-unico 

     

    Submetido em: 2020-05-30

    Aprovado em: 2021-06-30

     

     

     

     

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