O QUARTINHO DE EMPREGADA E A TRADIÇÃO
EDITE GALOTE CARRANZA
INTRODUÇÃO
Peças do gentio, gente de serviço, peças escravas, tapanhuno, escravo, peças forras, ex-escrava, empregada branca, governante e doméstica. Estas são as várias denominações para os trabalhadores domésticos, encontradas na literatura, desde o período da escravidão negra ou índia até a atualidade.
O objeto do presente texto é uma abordagem sobre os alojamentos destes trabalhadores e a herança cultural, que originou as tradicionais soluções arquitetônicas do duplo acesso – serviço e social, nos edifícios residenciais, os quartinhos mínimos junto às lavanderias dos apartamentos e as edículas nos fundos dos quintais das residências. Soluções comumente adotadas pelos arquitetos paulistas para resolver um “problema”, cuja origem, está diretamente relacionada à nossa formação social que gerou um quadro de distanciamento brutal entre classes sociais.
A CASA BANDEIRISTA
São Paulo dos Campos de Piratininga, fundada e 1554, separada do litoral pela Serra do Mar e sem atrativos econômicos, permaneceu quase esquecida pela administração portuguesa.
No século XVI, sua principal característica foi o contato harmonioso, e bem sucedido, com os indígenas que gerou a assimilação dos costumes da terra, como por exemplo, a dieta alimentar, técnicas militares, técnicas de caça e a língua falada.
Posteriormente, durante o século XVII, houve a necessidade do aprisionamento de índios para o trabalho escravo, no denominado “primeiro ciclo bandeirista”[1]. A posição do índio, como escravo, sempre fora disfarçada com a utilização de termos como "administrados" ou mesmo "tutelados", como explica o professor Ernani da Silva Bruno:
"O regime de trabalho, que se fundamentava a existência socioeconômica dos moradores do planalto de São Paulo e que lhe imprimia seus traços mais marcantes, era o cativeiro (como em toda a América portuguesa na época) embora, como recaísse em escala ínfima sobre o negro africano e, na quase totalidade dos casos, sobre o índio (que por lei não podia ser escravizado), se dissimulasse sob fórmulas e rótulos diversos. Quem percorre o texto dos inventários e testamentos estranha de início a inclusão quase infalível (entre os bens dos moradores arrolados pelos escrivões) de uma relação mais ou menos numerosa de gente de serviço. [2]
As construções coloniais - igrejas, conventos e as casas, eram construídos com taipa-de-pilão, uma técnica construtiva baseada em terra socada entre formas de madeira. Esta técnica foi à única possível devido a carências de outros materiais como pedra, cal ou tijolos.[3] As casas desse período, conhecidas como “casas banderistas” [fig.1], seguiam sempre uma tipologia padrão, basicamente formada por um retângulo subdividido da seguinte forma: dois cômodos frontais separados por uma varanda alpendrada, uma sala posterior ao centro ladeada por quartos e, em alguns casos, um alpendre posterior.
Os dois cômodos frontais eram destinados à capela e quarto de hóspedes, que juntamente com a varanda alpendrada (também conhecida como pretório ou corredor) configurava uma faixa de contato entre o dono da casa e as demais pessoas, como hóspedes, agregados e escravos, pois o acesso aos demais cômodos era proibido.
A cozinha era construída de forma precária na parte posterior da casa, em geral, uma palhoça para cobertura e o fogão indígena [três pedras justapostas]. Esta configuração segue os costumes indígenas, pois as primeiras cozinheiras paulistas eram índias. Próximo à cozinha, o alojamento dos escravos com as mesmas características da cozinha.
O modelo da casa bandeirista perdurou até o final do século XVIII e inicio do século XIX, conforme análise do professor Carlos Lemos:
"O final do século XVIII e o início do século seguinte apresentam no planalto de São Paulo duas arquiteturas rurais que se defrontam como representante de suas culturas. De um lado a arquitetura conservadora do paulista antigo a casa usada já há trezentos anos, a casa bandeirista que todos conhecemos. De outro lado, a casa mineira de estrutura autônoma de madeira.Vãos preenchidos com adobe e assobradadas, levantadas do chão.
(...) Aos poucos a família paulista foi reformulando e se acomodando a um novo modo de viver entre muros. Na roça, e nas fazendas foi se acostumando à cozinha dentro de casa, em puxados bem feitos ou em alas de taipa, pois as casas já não eram mais retangulares. (...) [4]
A CASA PAULISTA IMPERIAL
Em 1822, foi proclamada a Independência do País, às margens do riacho Ipiranga, quando a cidade tornou-se a Imperial Cidade de São Paulo. Apesar desse título, a cidade mantinha seu aspecto provinciano [fig.2], um local de passagem de toda a produção açucareira da região de Itú.[5]
As casas desse período tinham total dependência da mão-de-obra escrava. Naquela sociedade, além de cuidar dos afazeres domésticos comuns como, por exemplo, lavar, cozinhar limpar, beneficiar alimentos, o escravo tornava a casa viável, do ponto de vista de infraestrutura, conforme afirma Lúcio costa:
“A máquina brasileira de morar do tempo da Colônia e do Império dependia dessa mistura de coisa, de bicho e gente que era o escravo [...] O negro era esgoto,era água corrente no quarto,quente e fria; era interruptor de luz e botão de campainha; negro tapava goteira e subia vidraça pesada; era lavador automático, abanava que nem ventilador.” [6]
Apesar da presença marcante do escravo doméstico, a sociedade escravocrata não se preocupava com as acomodações dessas pessoas. Quando não dormiam nas senzalas, podiam ficar junto aos fogões, em forros ou porões, afinal escravo era sinônimo de "bicho".
A partir do relato de vários viajantes estrangeiros, é possível saber um pouco mais sobre a sociedade e as condições domésticas daquela época:
"O abastecimento de água era deficientetíssimo, tanto na quantidade quanto na qualidade. No centro da parte principal da cidade havia
somente o chafariz do largo da misericórdia com quatro bicas que nem sempre corriam abundantemente dia e noite estava ele, pois, rodeado de gente, na maior parte escravos, cuja vozeria se ouvia já de longe, quando por ali se passava" [7]
"Na realidade, a sua educação se restringe a conhecimentos superficiais, ocupam-se muito pouco com assuntos domésticos, confiando tudo quanto se refere às dependências inferiores da direção da casa, ao negro ou à negra cozinheira, e deixando todos os outros assuntos a cargo dos servos,(...) ocupam-se, principalmente, em casa, em cozer, bordar e fazer renda." [8]
Após a segunda metade do século XIX, a cidade iniciou um período de rápida ascensão econômica e política à medida que o café tornava-se o sustentáculo da economia nacional. Segundo o historiador Haddock Lobo, as exportações de café saltaram de 3.178.000 sacas em 1821 para 51.531.000 sacas em 1881, representando 70% das exportações do país.[9]
A instalação da ferrovia inglesa, em 1867, que ligava São Paulo a Santos, foi essencial para este sucesso da cultura cafeeira e o conseqüente progresso da cidade [fig. 3].
“Com a ferrovia São Paulo deixa de ser a cidade dos tropeiros, as viagens tornam-se confortáveis e os grandes fazendeiros passaram a morar na cidade [...]“O trem que desceu carregado de café pode, agora, subir com material de construção para se fazer uma casa igual àquela vista em alguma capital européia.”
“Poucas vezes na história do urbanismo terá ocorrido um fenômeno semelhante, uma cidade reconstruída duas vezes sobre o mesmo assentamento. A descoberta de uma cidade inteiramente construída de barro surpreendeu os viajantes no início do século XIX,[...]Há um século a cidade contava com trinta mil habitantes e, a partir do momento em que a ferrovia chegou às novas terras produtoras de café, a cidade conheceu um crescimento incontrolado” [10]
Ocorre, assim, um grande surto do processo de urbanização, com a necessidade de melhorias urbanas de toda ordem como: transporte coletivo como a inauguração dos serviços de bondes, em 1872; infraestrutura de abastecimento de água com a fundação da Companhia Cantareira em 1877; a fundação do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, em 1873; fundações de instituições bancárias e estabelecimentos comerciais etc.
Dentro desse quadro de profundas mudanças socioeconômicas, uma das mais importantes foi, sem dúvida, a Abolição da Escravatura em 1888. Essa passagem para o trabalho remunerado imprimiu, modificações importantes o país teve que se adaptar ao um novo sistema de produção na lavoura, baseado na mão-de-obra de imigrantes europeus: portugueses, espanhóis, alemães e principalmente italianos, que chegam à cidade aos milhares, após o incentivo da imigração subvencionada pelo Estado.
As casas urbanas desse período eram implantadas nos alinhamentos dos lotes, em geral, o telhado de duas águas tinha cumeeira paralela ao alinhamento. Os programas e agenciamentos dos espaços internos começam a se alterar e à medida que o século chegava ao fim, devido principalmente a influência do imigrante.
“[...] a partir do último quartel do século XIX, as casas brasileiras do ecletismo, principalmente as urbanas, tenderam a uma digamos “homogeneização” estilística “moderna” com total esquecimento dos partidos ditos tradicionais.”[11]
As pessoas das classes sociais mais baixas continuaram, de certa forma, mantendo uma espécie de escravidão camuflada, com a presença da ex-escrava que continuou trabalhando nos lares. Já as famílias pertencentes a classes sociais mais altas começaram a ter empregadas brancas e governantes estrangeiras. Esta última, em muitos casos, tinha o papel de ensinar o idioma francês além de novos hábitos, boas maneiras, etc...
A CASA PAULISTA REPUBLICANA
Com a proclamação da república, em 1889, que conferiu autonomia aos estados, São Paulo pode gerir sua própria riqueza. Foi um período de profundas transformações sociais que resultou em substanciais mudanças no programa da casa paulista, foi denominado como “processo civilizador” pela historiadora Maria Cecília Naclério Homem[12].
Surgem, então, casas burguesas luxuosas [fig.4], com novos programas, cuja organização funcional era muito similar a que se usava na França, conhecida como distribuição à francesa. Trata-se de uma maneira de distribuição dos espaços onde não há superposição de funções, ou seja, cada cômodo tinha apenas uma função específica como, por exemplo, sala de leitura, sala de jantar, sala de costura, jardim de inverno etc. e as circulações são projetadas com corredores e hall de distribuição de forma a permitir, por exemplo, que as pessoas passem da área íntima a área de serviço sem que tenham, necessariamente, de passar pela área social. Dessa forma, as circulações de patrões e criados eram separadas. Há três zonas distintas: estar, repouso e serviços, que são separados mediante um vestíbulo ou hall. Esse conceito de morar foi introduzido em São Paulo, no final do século XIX, e caracteriza as novas casas ricas, os chamados “Palacetes Paulistanos”.
Os quartos de criada passam para o interior das casas, geralmente junto às cozinhas e com acesso pelo quintal, ou em porões decentes e bem ventilados. Geralmente os quartos destinados às governantes estrangeiras ficavam mais próximos à área íntima da casa. Em função do número de empregados, havia, também, a solução de construir alojamentos desvinculados da construção principal, as denominadas edículas. Estas possuíam quartos e banheiros, com acesso independente pelo quintal. Segundo o professor Carlos Lemos, esta é uma solução nacional, que segue a tradição do passado das construções para senzalas.
"Nas casas de classe média para cima, por exemplo, começamos a encontrar, mais ou menos a partir da última década do século XIX, o quarto da "criada" dentro de casa ao lado da cozinha, o que não ocorria nas antigas moradas de alcovas centrais onde os fâmulos escravos dormiam nos quintais, nos porões, ou nos desvãos dos telhados, em cima dos forros das cozinhas ou das áreas de serviço." [13]
"Nesse ponto, o programa da casa paulista assemelha-se ao programa anterior ao período das providências abolicionistas: acomodações para os serviçais. Antes, a senzala, ou os quartos nos quintais ou águas-furtadas. Agora, a edícula com quarto e banheiro." [14]
Ainda segundo Lemos[15], o morar “à francesa” caracterizou as casas paulistas do período áureo do café, e se tornou uma tradição do “bem morar”. Além disso, era uma forma de evitar o contato entre patrões e empregados:
[...]A nova distribuição agrupava os cômodos em três zonas distintas: estar, repouso e serviços, separados entre si mediante a utilização do vestíbulo ou do hall. Este induzia também ao novo tipo de circulação, feito de modo a evitar o contato prolongado entre patrões, criados e visitantes”[16]
“[...]A perfeita interdependência das zonas da habitação era conseguida através da introdução, na planta,do vestíbulo distribuidor dos passos. Esse novo cômodo da moradia era uma área “neutra”. Mera passagem que, no entanto, podia acumular a velha função de faixa de transição entre o público e o privado, pois quase todos os palacetes possuíam, no térreo, um quarto de hóspedes ao lado de uma instalação sanitária que, eventualmente, poderia fazer o papel de “lavabo social” nosso contemporâneo.”[17]
A CASA PAULISTA DO SÉCULO XX
A cidade continuou a manter o ritmo acelerado de desenvolvimento e crescimento populacional [fig.5]. Várias chácaras próximas do núcleo central foram loteadas para dar lugar a novos bairros dentro de um processo de urbanização em larga escala.
Posteriormente, com a saturação das zonas centrais, teve início o processo de verticalização, com o surgimento dos primeiros edifícios residenciais na década de 1920, destinado às famílias de classe média. Em geral, essas famílias não aceitavam bem essa nova forma de morar, pois as habitações coletivas tinham uma conotação de locais promíscuo como cortiços. Uma solução para este impasse e atrair compradores foi reproduzir, nos apartamentos, a organização espacial das casas burguesas, com distribuição de cômodos obedecendo ao zoneamento de total distinção entre área social, área íntima e área de serviço.
Com o intuito de reproduzir o acesso de serviço, que nas casas era feito pelo quintal, surgiu o acesso de serviço com escada e elevador próprio. A sociedade aceitava e adotava francamente a separação social, nela incluindo um comportamento racista e discriminatório de etnias.
"Para atrair essas famílias, assim, agentes imobiliários desenvolveram uma planta de apartamento que pudesse reproduzir o que, em uma casa, era o mais importante para a classe média: sua organização social do espaço. Essa planta torna-se padrão nacional (...) " [18]
“(...) o apartamento brasileiro caracteriza-se pela dupla entrada, pela precisão de dois acessos, o nobre e o de serviço pela instalação de elevadores separados, para cada caso. Até certo ponto essas diferenciações constituem um luxo, porque demandam gastos com áreas comuns, cujos preços elevam o custo da unidade residencial[...]”[19]
A CASA MODERNA
A cidade de São Paulo, que desde a década de 1940, se configurava como grande centro industrial, se consolidou como metrópole nacional, devido à afirmação de seu pátio industrial. Como conseqüência, o contexto foi favorável para a construção civil. A partir de 1948 teve início o chamado “boom” imobiliário, que acelerou o processo de verticalização da cidade.
Naquele período, tornou-se marcante a atuação dos arquitetos, que seguindo os preceitos da arquitetura moderna - racionalismo, funcionalismo e organicismo, mudaram a forma de pensar o agenciamento dos espaços internos. Esses preceitos, que surgiram no início do século XX, e que se tornaram paradigmáticos para a arquitetura moderna, tinham como mentores os grandes mestres arquitetos: Le Corbusier, Walter Gropius, Mies Van Der Rohe, Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto.
A arquitetura moderna trouxe novos sistemas construtivos com o uso do concreto armado, aço e vidro. A nova tecnologia estrutural permitiu que a estrutura se desvinculasse das paredes, estas por sua vez se tornaram apenas vedações, este conceito ficou conhecido como “planta livre”. Assim, o agenciamento dos espaços internos se altera profundamente entrando em choque a tradição paulista das casas burguesas. Enquanto na arquitetura dos “palacetes paulistanos” havia a subdivisão dos ambientes de acordo com sua função, a arquitetura moderna, em contrapartida, caracteriza-se pela integração dos ambientes com maior fluidez, uma valorização dos espaços sociais e em muitos casos, a integração entre o interior e o exterior das casas.
Em 1927, surge uma obra que é considerada a “primeira construção moderna na cidade de São Paulo. Trata-se do edifício de apartamentos do arquiteto paulista Júlio de Abreu. Este projeto possui algumas inovações importantes no aspecto plástico, sistema construtivo e principalmente no agenciamento dos espaços internos. Segundo o arquiteto Alberto Xavier, o edifício inova na questão das relações de trabalho entre empregados e patrões, pois as dependências das empregadas domésticas foram concentradas na cobertura do edifício, garantindo a privacidade das funcionárias[20]. A configuração de planta do apartamento inova, também, quando elimina o duplo acesso, social e serviço.
“Tanto a disposição geral dos apartamentos –com áreas de serviço voltadas para a rua e os dormitórios, para um pátio ensolarado-, quanto a localização das dependências de empregados na cobertura do edifício, - de modo a garantir-lhes certas condições de convívio-, obedecem a critérios de agencimaneto desconhecidos em São Paulo, nesta época.”[21]
Nos projetos residenciais de vários arquitetos modernos, é possível observar soluções inovadoras que guardam certa tradição no agenciamento de espaços, como é possível observar no projeto premiado da Casa do Pacaembu, de 1951 [fig.5]. Implantada em terreno em declive, os quartos de emprega, desta casa, estão localizados no nível subsolo, voltado para o fundo do lote, com acesso externo.
Segundo o arquiteto Carlos Lemos, além o modernismo “erudito” que os arquitetos estavam aprendendo nas Faculdades de Arquitetura, os programas de necessidades da casa foi alterado em função das transformações sociais e o surgimento de uma “família moderna” com novos hábitos.
Ainda segundo Lemos, a tônica é a continuidade espacial, que em alguns casos propiciou uma espécie “proletarização” e uma conseqüentemente “promiscuidade” de alguns programas, através das superposições de funções. Ao descrever algumas soluções adotadas, Lemos faz uma crítica aos excessos cometidos, talvez, pela “escola paulista”.
“Há dessas casas modernas em que até os dormitórios possuem paredes baixas. Com essa pretendida continuidade espacial, as paredes divisórias deixam de ser efetivamente isoladoras de atividades para tornarem-se simplesmente selecionadores de ambientes, havendo uma intencional promiscuidade. Pelo visto, muitos dos arquitetos modernos, além de se ocuparam das mais recentes técnicas construtivas também tratam de “atualizar” seus projetos oferecendo oportunidades de superposições que exigem das famílias um convívio nem sempre adaptado ao processo cultural definidor da burguesia formadora de sua clientela.
Realmente, a tendência de muitos é “aproveitar” as vantagens das modernas estruturas, com suas possibilidades de grandes vôos ou largos espaços, para sugerir um “novo” modo de vida”. [22]
Mas a arquitetura moderna não foi forte o suficiente para “reeducar a burguesia” e alterar, por completo, as tradições sociais. São muitos os exemplos de projetos residenciais de arquitetos modernos que adotam a solução de edícula com acesso independente pelo quintal, casas com agenciamento de espaços à francesa ou mesmo, edifícios residenciais com duplo acesso – social e serviço.
CONCLUSÕES - A CASA DE HOJE
Observando os classificados dos jornais, é possível constatar que a tradição está presente. São muitos os exemplos de edifícios residenciais com duplo acesso – social e serviço inclusive com elevadores, casas de médio e alto padrão com edículas acessadas pelo quintal e agenciamento de espaços com circulação à francesa.
Nos edifícios residenciais [fig.6] os quartos de empregada, que são acessados sempre pela área de serviço, possuem dimensões mínimas que possibilita apenas a colocação de uma cama na maior dimensão e, na menor, permitindo a abertura da porta. Esse modelo e seguido independentemente das dimensões do apartamento. Além disso, dificilmente é seguido o Código de Edificações em vigor, no que tange à iluminação e ventilação adequadas a um ambiente de permanência prolongada.
Após esta análise superficial, é possível concluir que estas soluções de projetos seguem a tradição e que a arquitetura continua mantendo a rotina das pessoas em relação ao acesso de serviço, independentemente do surgimento da Lei Municipal que determina a não segregação dos acessos.
A tradição, em muitos aspectos, venceu.
"Tanto no projeto como no uso, essa área de serviço faz apelo ao mais atávico dos valores da classe média: a cozinha do apartamento continua a ser a cozinha da casa-grande, um lugar afastado do espaço de vida do patrão: é o lugar dos empregados, raramente o da dona da casa: a empregada continua a ser uma escrava cuja presença é malvista nas áreas da família; e seu pequeno quarto com a porta abrindo para o tanque de lavar roupa no corredor de serviço ainda é a senzala." [23]
BIBLIOGRAFIA
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[1] LOBO, Roberto Haddock. História econômica e administrativa do Brasil, 21o. São Paulo: Atlas,1982.
[2] BRUNO, Ernani da Silva. O equipamento da casa bandeirista segundo os antigos inventários e testamentos.São Paulo.Departamento do Patrimônio Histórico, 1977, p. 21.
[3] LEMOS, Carlos AC.História da casa brasileira.São Paulo: Editora Contexto, 1989, p. 41.
[4]LEMOS, Carlos AC.História da casa brasileira.São Paulo: Editora Contexto, 1989, p. 80.
[5]LEMOS, Carlos AC. Alvenaria Burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolosem São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café, 2 ed. rev.ampl. São Paulo: Nobel, 1989.
[6] COSTA, Lúcio. Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro de Estudos Universitários de Arquitetura, 1962, p.174
[7] Depoimento de Francisco de Assis V. Bueno, sobre a falta de infraestrutura da cidade. Texto extraído de Memória da Cidade de São Paulo: segundo depoimentos dos moradores e visitantes, de Ernani da Silva Bruno p. 51
[8] Depoimento de John Mawe, sobre as atividades da dona-de-casa. Texto extraído de Memória da Cidade de São Paulo: segundo depoimentos dos moradores e visitantes, de Ernani da Silva Bruno p. 72
[9] Dados extraídos de Historia econômica e administrativa do Brasil, Roberto Haddock Lobo, p. 81
[10] TOLEDO, Benedito Lima de.Três cidades em um século.2.ed.aum.São Paulo: Editora Nacional/Ed.Edusp, 1974.
[11] LEMOS, Carlos AC.História da casa brasileira.São Paulo: Editora Contexto, 1989, p.52.
[12] HOMEM, Maria Cecília Naclério: O palacete paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira: 1867-1918 – São Paulo , Martins Fontes, 1996.
[13] LEMOS, Carlos AC. Alvenaria Burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolosem São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café, 2 ed. rev.ampl. São Paulo: Nobel, 1989, p. 80.
[14] Op.cit. p. 149.
[15] LEMOS, Carlos A.C Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café . São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999 p.125.
[16] Op. cit. p.129.
[17] Op. cit. p. 252.
[18] HOLSTON, James. A cidade modernista- uma crítica à Brasília, São Paulo, Cia das Letras, 1993, p. 186
[19] LEMOS, Carlos A C . Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 160.
[20] Depoimento de Alberto Xavier à autora.
[21] XAVIER, Alberto, LEMOS, Carlos A C. CORONA, Eduardo. Arquitetura Moderna Paulistana. São Paulo, Pini, 1983, p. 1.
[22]LEMOS, Carlos A C. História da Casa Brasileira. 1º Ed. São Paulo: Contexto, 1996.LEMOS, P. 75.
[23] HOLSTON, James. A cidade modernista- uma crítica à Brasília, São Paulo, Cia das Letras, 1993,p. 188.
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