Casa Juarez Brandão Lopes: detalhes alternativos para a casa popular
“A utopia, não a penso como um ideal improvável.É condição absoluta do realismo.Seremos necessariamente utópicos e realistas, ou reacionários.E defendemos nossas propostas com força,porque elas não serão exclusiva e objetivamente nossas,mas da sociedade como conjunto e representarãosuas forças dinâmicas e renovadoras.”Joaquim Guedes
Localizada próxima à USP, a casa do Grupo Arquitetura Nova é um manifesto-síntese de ideias e ideais de cunho contestador ao status quo arquitetônico e sociocultural paulista da década de 1960, assumido pelo proprietário-sociológo e sua esposa.
A proposta ensaia soluções para a casa popular visando combater o déficit habitacional brasileiro a partir de uma “poética da economia” baseada em técnicas construtivas convencionais, artesanais, valorização do trabalho e participação consciente do operário; contrária, portanto, à corrente brutalista hegemônica de então, a qual defendia a adoção de industrialização e serialização decorrentes da tecnologia a mais avançada, além da ênfase na solução plástica dos elementos estruturais. O teor de manifesto consta nos artigos de J. Brandão e R. Lefèvre, que discutem arquitetura, sociologia e tradição do morar. R. Lefèvre argumenta que a linguagem arquitetônica da casa não deveria ser entendida como um “modismo” e sim como uma “agressão” que denunciaria os problemas habitacionais e sociais dos anos 1960. Assim, a proposta pode ser entendida como fruto do Zeitgeist pois integra manifestações da cena cultural mais ampla, de artistas e intelectuais de esquerda, que seguiam o conceito nacional-popular e que após 1967 realizaram manifestações contraculturais como o Teatro da Agressão, Poesia Marginal e o Cinema Marginal. Época de “mudanças radicais” e utopias revolucionárias também no cenário arquitetônico internacional, conforme ações dos Grupos Ant Farm, Provos, Utopie e Internacional Situacionista.
Tendo como meta a economia de meios, a casa foi construída com pilares e vigas de concreto armado moldado in loco, alvenaria de tijolos de barro pintados, pisos de tacos e de concreto magro – o popular cimentado vermelhão, e instalações elétricas e hidráulicas aparentes. A expressão plástica resultante da cobertura de laje mista em abóbada – marca do Grupo – com caixilhos de madeira e vidro é vigorosa. O detalhamento da caixilharia fez uso de caibros e sarrafos aparelhados, fixos com parafusos transpassantes e vidro liso transparente. Para o fechamento dos dormitórios, foi criado um detalhe com portas amplas e bandeiras de tela metálica e tecido. Este detalhe garantiu a desejada flexibilidade do pavimento superior e substituiu a proposta inicial de F. Império de utilizar cortinas de tecido – semelhantes às da Casa Valéria Cirell de Lina Bo – a qual fora vetada pela proprietária, bem como o uso de madeira nos paramentos verticais do pavimento superior. Os vetos revelam as “antinomias insolúveis” da experiência, de realizar uma casa popular com dimensões e programa de necessidades de uma casa classe média, pois mesmo contando com clientes engajados, não foi possível realizar plenamente o modelo “agressivo” e anti-burguês desejado pelos arquitetos.
FICHA TÉCNICA
Projeto: Arq. Rodrigo Lefèvre e Arq. Flávio Império Gerenciamento da obra: Arq. Rodrigo LefèvreConstrutora: CEMPLA Construções e Planejamento Ltda, eng. Osmar Penteado S. SilvaProjeto Estrutural: Eng. Ugo Tedeschi e Eng. Yukio OgataProprietários: Juarez Brandão Lopes, Dulce Toledo Piza Lopes e Maurício Piza Lopes Publicado originalmente: Revista AU, n.253, abril/2015 http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/253/casa-juarez-brandao-lopes-do-grupo-arquitetura-nova-em-sao-342666-1.aspx Acessos: 2734