Roteiro para uma casa simples: Casa José Anthero Guedes
DANIEL CARCAVALLI
Joaquim Guedes, um dos grandes nomes da arquitetura paulista e um dos principais representantes da “Escola Brutalista Paulista”, projetou esta casa para seu pai poucos anos depois de se formar. Segundo Mônica Junqueira de Camargo, Guedes “ainda estava preso ao conhecimento acadêmico e tentava colocar ou negar o discurso em prática, adaptando-o às condições topográficas do terreno e ao programa” [...] de fato, o primeiro enfrentamento entre teoria e método aprendidos na faculdade e a realidade.” O projeto é um exemplar que expressa o conceito “Nacional-popular”, presente em diversas manifestações culturais nos anos 1960.
O texto abaixo foi transcrito a partir do documento original escrito pelo arquiteto Joaquim Guedes, anos depois de ter concluído a residência José Anthero Guedes:
Uma solução “neo-empírica”?
“Casi todas las grandes filosofias han partido de estos dos supuestos: 1o que las cosas, andemás del papel que representan em su relación imediata com nosotros, tienen em sí mismas uma segunda realidade oculta y más importante y paladino, uma realidade latente a cual llamamos su ser. Así esta luz, andemás de consistir em lo que de ella veo y em alumbrarme, tiene um ser, el ser de la luz, 2° que el hombre tiene que ocuparse em descobrir el ser de las cosas.” Ortega y Gasset.
Programa: Projeto para residência de uma família grande, que deverá com os anos sofrer profundas modificações no seu tamanho e nos seus hábitos. Terreno: Exíguo lote urbano de 10m de largura e frente nordeste, elevado de 1.20m acima do leito da rua. Recursos: limitadíssimos.
A razão pela qual escolhi esta pequena residência de 1955 para ser publicada em BEM ESTAR, é sua grande importância no meu aprendizado pós-graduado, no início de minha prática profissional. Há momentos em que certas ideias se realizam dentro de nós, são incorporadas pela nossa inteligência, não apenas pela nossa razão, mas de uma maneira completa. Às vezes topamos com uma verdade, supomos vê-la e entendê-la, e, no entanto, só a incorporamos muito mais tarde, depois de tê- la repetido e, sobretudo depois de tê-la experimentado, vivido, sondado concretamente. Não é possível compreender, sem viver, quanto mais evidentes elas nos parecerem, menos próximos estaremos de compreendê-las.
Hoje revejo em meus alunos, o mesmo “problema do conhecimento arquitetônico”, que nos estudantes se revela exatamente por uma desproporção entre aquilo que supõe saber, que muitas vezes conseguem repetir com desenvoltura e aquilo que são capazes de realizar praticamente, o fruto do amadurecimento dentro deles de ideias e conceitos, transmitidos (pelos mestres) como se transmite a história e a experiência. Nessa obra modesta eu aprendi que tudo aquilo que existe sobre a terra é ESSENCIALMENTE CONSTRUÇÃO. Existe porque é construído, e como é construído. Partes se juntam, se compõem, com uma certa inteligência, dentro de um princípio de coerência construtiva. Numa asa de inseto vista ao microscópio, na radiografia de um osso ou de uma flor, enxergamos uma infinidade de elementos que, longe de serem um amontoado caótico, são um conjunto estruturado com uma finalidade, segundo critérios que darão a cada parte o seu lugar no todo, uma suportando a outra, fortes e fracas, transparentes e opacas, até que a asa e o fêmur se constroem numa unidade, inconfundíveis e insubstituíveis, esplêndidos. A flor só é flor porque ela é construída flor.
Autor: Daniel Carcavalli é estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, membro do Grupo de Pesquisa CNPQ “Arquitetura: abordagens alternativas e transdisciplinares” e editor broto-arquiteto da Revista 5% arquitetura + arte.
FICHA TÉCNICA
Visita técnica, fotografias e transcrição do texto de Daniel Carcavalli.
Co-autor e revisão: Edite Galote Carranza
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CAMARGO, Mônica Junqueira de. “Joaquim Guedes”. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000, p. 19.
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