Casa C. Lunardelli, 1968

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EDITE GALOTE CARRANZA

RICARDO CARRANZA

Localizada no valorizado loteamento Praia de Pernambuco, no Guarujá, a Casa C. Lunardelli marca um ponto importante na trajetória de Eduardo Longo, arquiteto formado na Fau Mackenzie, em 1966. A Casa foi projetada quando ele regressou de sua viagem “on the road” por diversos países, que incluiu no roteiro o IX Congresso da União Internacional dos Arquitetos, em Praga (pré “Primavera 68”),

uma reunião na revista italiana Domus, que resultaria na primeira publicação internacional de seu trabalho, além de Paris (pré “Maio 68”) onde conheceu soldados drop-out – desertores da Guerra do Vietnã.  A concepção do projeto reflete a visão de mundo do jovem, sensível às mudanças culturais e contraculturais daquele emblemático ano de 1968.

 

Casa C. Lunardelli, planta pavimento térreo.Casa C. Lunardelli, planta pavimento térreo.

 

O partido priorizou a vista do mar ao definir implantação e distribuição do programa em dois pavimentos. O agenciamento das funções foi resolvido em três setores distintos: social, íntimo e serviços, seguindo o “morar à francesa”. A solução tradicional foi determinante para a concepção plástica, resolvida com cinco volumes: três troncos de pirâmide, um para cada setor; um cilindro que abriga a caixa d’água e um prisma irregular que interliga todos os demais e conforma o vestíbulo. A Casa foi construída com estrutura de concreto armado.

 

Casa C. Lunardelli, corte A-A.  Desenho Edite Galote CarranzaCasa C. Lunardelli, corte A-A. Desenho Edite Galote Carranza

 

As colunas são embutidas nas alvenarias. As lajes maciças e aparentes, de 15 cm de espessura, possuem inclinações acentuadas; para sua execução foi adotada uma técnica de concretagem em anéis periféricos, que avançam para o topo, como um caracol. A técnica foi desenvolvida por Daniel Ursic, mestre-de-obras iuguslavo e apresentou ótimo desempenho; dispensaram impermeabilização e não apresentaram infiltrações ou quaisquer patologias do concreto por décadas. A concepção plástica singular da casa se aproxima mais das tendências do cenário arquitetônico internacional, da “terceira geração” de arquitetos modernos definida por Montaner, do que da arquitetura paulista brutalista e seu repertório de “caixas portantes”, ênfase na solução estrutural aparente, desejo de industrialização e serialização.

Casa C. Lunardelli, teto da sala de estar.Casa C. Lunardelli, teto da sala de estar.

 

Casa C. Lunardelli, escada de madeira auto-portante.Casa C. Lunardelli, escada de madeira auto-portante.

 

A Casa foi minuciosamente detalhada, pois o arquiteto sempre se dedicou muito aos desenhos seguindo os ensinamentos de seu mestre Franz Heep. São vários detalhes criativos tais como: a porta de entrada com parafusos transpassantes e vidros azuis; camas suspensas por correntes e ganchos presos à laje; claraboias de vidro temperado para iluminação zenital; além dos sofás, mesinhas e armários vinculados à edificação, com leiaute rígido. Contudo, o detalhe que merece maior atenção é a escada helicoidal, que além de ser um elemento de acesso direto e discreto entre suíte principal e porta de entrada, é uma verdadeira escultura. A escada foi construída com peças de madeira torneadas, que ao serem sobrepostas formam um degrau completo: piso e espelho. Os degraus, que giram em torno do eixo central, são unidos por cavilhas e parafusos uns aos outros, resultando numa escada-escultura, autoportante e que dispensou o necessário corrimão. O detalhe é representativo da postura do arquiteto pautada na liberdade de expressão e subjetividade artística, em todas as escalas, pois segue o lema daquela Geração AI-5: “É proibido proibir”.

Ficha técnica:

Casa C. Lunardeli, Loteamento Praia de Pernambuco, Guarujá, SP, 1968.

Projeto: Arq. Eduardo Longo

Construção: Daniel Ursic

    Edite Galote Carranza
    é mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie em 2004; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2013 com a tese “Arquitetura Alternativa: 1956-1979”; diretora do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica e da revista eletrônica 5% arquitetura + arte ISSN 1808-1142. Publicações em revistas especializadas, livros Escalas de Representação em Arquitetura, Detalhes Construtivos de Arquitetura e O quartinho invisível: escovando a história da arquitetura paulista a contrapelo. Professora da graduação e pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu.
      Ricardo Carranza
      Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2000, diretor do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica Ltda, editor da revista 5% Arquitetura + Arte e escritor. Publicações: Antologias de Concursos Nacionais – SCORTECCI, SESC DF; revista de literatura – CULT; sites de Poesia e Literatura – Zunái, Stéphanos, Germina, Cult - Ofi-cina Literária, Mallarmargens, O arquivo de Renato Suttana, Triplov. LIVROS: Poesia – publicados: Sexteto, Edição do Autor, SP, 2010; A Flor Empírica, Edição do autor, SP, 2011; Dramas, Editora G&C Arquitectônica Ltda., SP, 2012. Inéditos – Pastiche, 2017/2018; poesia... 2019. Contos – inéditos: A comédia dos erros, 2011/2018 – pré-selecionado no Prêmio Sesc de Literatura 2018; Anacronismos, 2015/2018; 7 Peças Cáusticas, 2018. Romance inédito: Craquelê, 2018/2019. Cadernos de Insônia (58): desde 2009. ARTIGOS publicados na revista 5% Arquitetura+Arte desde 2005.
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      Referências:

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