Uma discussão sobre as transformações recentes da Avenida Paulista

Categoria: Teoria

BRUNA EVANGELISTA LEITE PIMENTEL

EDITE GALOTE CARRANZA

Resumo

Este artigo analisa o processo de reconhecimento da Avenida Paulista como um símbolo cultural e ambiental. Desde sua inauguração em 1891, a avenida se tornou um símbolo da cultura Paulistana e concentrou uma elite que residia em palacetes. Nos anos 1950, ela era símbolo da modernidade com seus exemplares de arquitetura moderna. Por volta de 1970, a avenida consolidou-se como símbolo financeiro da cidade. Nos anos 1990, ela recebeu as primeiras manifestações culturais de rua.

O objetivo é discutir as mudanças de perfil da Avenida Paulista desde sua inauguração até os dias de hoje, quando a avenida se torna um símbolo cultural e ambiental da cidade. O artigo consta de três partes: na primeira parte discute a construção de edificações sustentáveis e as reformas de edifícios (retrofit) norteadas por certificações. Na segunda parte, traz a discussão sobre a cultura material e imaterial que representa avenida a partir de pesquisa de campo. Por fim, a terceira parte traz a discussão sobre sustentabilidade e os benefícios consequentes do fechamento da avenida aos domingos. Conclui que a Avenida Paulista está se tornando um novo símbolo para a sustentabilidade do espaço construído do século XXI.

Palavras-chave: Avenida Paulista, Sustentabilidade, Construção Sustentável

Abstract

This article analyzes the process of recognizing Avenida Paulista as a cultural and environmental symbol. Since its inauguration in the year 1891, the avenue has become a symbol of Paulistan culture.  In the 1950s, its was a symbol of modernity with its modern architecture. Around 1970s, the avenue was consolidated as a financial symbol of the city. In the 1990s, its received the first street cultural manifestations. The objective is to discuss the profile changes of Paulista Avenue since its inauguration until the presente, when the avenue becames a cultural and environmental symbol of the city. The article consists of three parts: in the first part it discusses the construction of sustainable buildings and buildings renovations (retrofit) guided by certifications. In the second part, it brings the discussionn about the material and inmaterial culture from field ressearch. Finally, the third part brings the discussion about sustainability and the consequente benefits of closing the avenue on Sundays. It concludes that Avenida Paulista is becaming a new symbol for the the sustainability of the space built in the 21st centure.    

Key Words: Paulista avenue, Sustainbability, Sustainable Construction

Resumen

Este artículo analisa el proceso de reconocer la Avenida Paulista como símbolo cultural y ambiental. Desde su inauguración em 1891, la avenida se há convertido em um símbolo de la cultura paulistana. Em la década de 1950, era um símbolo de modernidade com sus ejemplos de arquitectura moderna. Alrededor de 1970, la avenida se consolidó como el símbolo financeiro de la ciudad. Em la década de 1990, la avenida recebió los primeiros eventos culturales callejeros. El artículo consta de tres partes: em la primeraparte, analisa la cultura material e inmaterial que representa uma via basada em la investigacíon de campo. Finalmente, la y los consiguientes benefícios de cerrar la avenida los domingos. Concluye que la Avenida Paulista se está conviertendo em um nuevo símbolo para la sostenibilidad em el espacio construído em el siglo XXI.

Palabras clave: Avenida Paulista, Sostenibilidad, Construcción Sostenible   

 

História da Avenida Paulista e suas mudanças de perfil: Residencial, comercial e Cultural

A Avenida Paulista, desde sua concepção no século XIX, foi considerada uma obra marcante voltada às classes mais abastadas da cidade de São Paulo. Seu destaque se dá pela fonte de inspiração do plano Haussmann parisiense, que trouxe consigo orientações para o que seria um dos ícones mais importantes da região central da capital paulista. Toledo vai além e faz a comparação entre a Paulista e outros grandes ícones internacionais: “A Avenida Paulista foi o marco de uma era. Eu não saberia comparar a Paulista senão a certas avenidas de Nova York” (TOLEDO, 2006, p.85).

Joaquim Eugênio de Lima (1845-1902) se alia a alguns sócios e compra vários terrenos numa área desabitada e isolada da cidade de São Paulo, ocupada apenas por algumas chácaras em meio a uma mata extensa, para realizar um empreendimento. Este, coerente com o grande crescimento populacional da cidade, que praticamente quadruplicou no último quartel do século XIX. Inaugurada como a primeira avenida pavimentada e arborizada da cidade, a Avenida Paulista representava a modernidade paulistana do século XIX (PEDROSA; TOLEDO, 2017, p.2.). Neste sentido, a inauguração da Avenida Paulista se insere na fase da “segunda cidade de São Paulo”, construída de tijolos e que substituíra a “primeira cidade” de taipa-de-pilão (TOLEDO, 1983). 

A Avenida Paulista recebeu infraestrutura de água e esgoto, atraindo o público de alto poder aquisitivo, formado por industriais emergentes, pela aristocracia cafeeira e burguesia imigrante, que passou a residir em residências de alto patrão: os Palacetes Paulistanos (TOLEDO, 1987, p.4). O Parque Villon – hoje Parque Siqueira Campos (Trianon) – complementou a proposta urbanística da avenida, com projeto do paisagista francês Paul Villon (1841-1905) e pelo inglês Barry Parker (1867-1947) e posteriormente, por intervenção do grande paisagista brasileiro Roberto Burle Marx (1909-1994).

Figura 1 Palacete Franco Mello, 2017. Foto: Edite Galote CarranzaFigura 1 Palacete Franco Mello, 2017. Foto: Edite Galote Carranza

Os palacetes construídos na Avenida Paulista possuíam uma diversidade de estilos, tais como: chalés franceses, neocolonial, art nouveau entre outros (figura 1). O ecletismo dos palacetes refletia a diversidade étnica e cultural de São Paulo na virada do século XIX para o XX, devido à presença dos imigrantes (TOLEDO, 1987, p.5). A escritora Zélia Gattai (1916-2008), por exemplo, comenta em seu livro “Anarquistas, graças a Deus” a respeito da correlação entre os estilos arquitetônicos e a origem de seus moradores:

    Da praça Olavo Bilac até o Largo do Paraíso, era aquele desparrame de ostentação! Palacetes rodeados de parques e jardins, construídos, em geral, de acordo com a nacionalidade do proprietário: os de estilo mourisco, em sua maioria, pertenciam aos árabes, claro! Os de varanda de altas colunas, que imitavam os palazzos romanos antigos, denunciavam-logicamente- moradores  italianos. Não era, pois, difícil, pela fachada da casa, identificar a nacionalidade do dono.(GATTAI, 2010, p.57)

Em 1929, a quebra da bolsa de valores em Nova Iorque provocou a dissipação de muitas fortunas, atingindo a nobreza que habitava os palacetes paulistanos. Neste contexto, iniciou-se o processo de verticalização da Avenida Paulista, visto que várias famílias venderam seus casarões para investidores, a fim de erguer grandes edifícios comerciais.

Na década de 1950, a Avenida Paulista foi marcada pela construção dos primeiros grandes edifícios residenciais da Paulista, tais como: o Saint Honoré e o Edifício Nações Unidas e o Conjunto Nacional. Este, um marco da arquitetura moderna brasileira, e pioneiro da integração com a rua.  Na década de 1960, o movimento de verticalização se intensificou na Avenida Paulista. Logo, foram construídos grandes prédios comerciais, incluindo sede de corporações, empresas, bancos, que moldaram o aspecto da avenida hoje (TOLEDO, 1987). A partir da década de 1980, a Avenida Paulista começou a ser palco de manifestações políticas e nos anos 1990, ela passa a ter uma ampla cobertura pela imprensa, destacando-se pela manifestação pelo impeachment de Collor. Além disso, a avenida passa a ser o palco de eventos esportivos como a corrida de São Silvestre e comemorações de campeonatos de futebol, entre outros.

Nos dias atuais, a Avenida Paulista concentra vários equipamentos culturais, tais como:  como: Casa das Rosas; Centro cultural Santa Catarina; Centro Cultural FIESP; Espaço Cultural Banco Real; Espaço Cultural Banco do Brasil; Espaço Cultural Banespa; Espaço Cultural Conjunto Nacional; Espaço Cultural Safra; Espaço Cultural W. Churchill; Espaço Cultural Citibank; Galeria Park Avenida; Instituto Itaú Cultural; IMS (Instituto Moreira Sales); MASP; Japan House e o SESC Avenida Paulista. Portanto, a avenida assume um novo perfil: corredor cultural. Além disso, começa a ter as primeiras “construções sustentáveis” ou “edifícios verdes”, construídos ou reformados seguindo os parâmetros de certificações ambientais internacionais, como veremos a seguir.

A construção de edificações sustentáveis e o retrofit (reforma) das antigas construções

Como vimos, a Avenida Paulista apresentou constantes transformações ao longo de sua história. A demolição da maior parte de seus casarões históricos seguida de um processo intenso de verticalização, desperta indagações sobre os impactos ambientais gerados pela transformação. O fato é que a demolição de edifícios gera uma grande quantidade de resíduos sólidos, além da enorme quantidade de ruídos, e de uma exploração de novos recursos naturais consequente para a concepção de um novo objeto.

Embora o processo de verticalização da avenida tenha demolido os casarões, alguns foram preservados como é o caso da Casa das Rosas (figura 2). Remanescente da primeira etapa de construção da avenida, a Casa das Rosas foi projetada na década de 1920 pelo arquiteto Ramos de Azevedo, o mesmo autor de obras marcantes na cidade como o Teatro Municipal e o Mercado Central (TOLEDO, 1987). A mansão foi habitada até 1986 por Ernesto Dias de Castro Júnior, neto do projetista. Três meses antes de morrer, Castro vendeu o imóvel a um grupo imobiliário, que se comprometeu a preservar as características originais do terreno.

 

Figura 1 Casa das Rosas, 2018.  Foto: Bruna Leite EvangelistaFigura 1 Casa das Rosas, 2018. Foto: Bruna Leite Evangelista

Em 1990 uma torre corporativa de 21 andares foi erguida nos fundos da casa, e que preservou a antiga construção. Essa atitude pode ser considerada sustentável (em termos atuais) pois ao invés de demolir a Casa das Rosas para aproveitar toda a área do terreno para erguer a torre, gerando resíduos e poluição para o meio ambiente, a solução foi salutar para o meio ambiente e para a preservação da memória da avenida.

A preservação da Casa das Rosas segue o espírito Cradle to Cradle,  de Michael Braungart (químico) e de William McDonough (arquiteto). O conceito Cradle to Cradle (do berço ao berço) propõe um sistema produtivo inovador onde não existe descarte ou escassez, mas “abundância e eficácia de recursos, já que tudo se aproveita como nutriente em processos cíclicos inspirados na natureza”. (MCDONOUGH; BRAUNGART, 2013).

 

Diferentemente do bom exemplo da Casa das Rosas, do ponto de vista sustentável, a Torre Matarazzo (figura 3), projetada pelo escritório de arquitetura Aflalo/Gasperini, foi construída no terreno que abrigou a Mansão Matarazzo. Esta, foi a residência oficial do Grupo Matarazzo até 1977 e residência do Conde Francisco Matarazzo Júnior, filho e sucessor do primeiro morador o Conde Francesco Matarazzo, até 1989.

A partir de 1989, iniciaram-se os processos de tombamento do imóvel, na gestão da então prefeita Luiza Erundina, que tinha um projeto de transformar a casa em um Museu do Trabalhador. Após uma batalha judicial, a prefeitura de São Paulo perdeu na justiça o tombamento indevido. Em 1994 a família conseguiu reverter o tombamento e reaver a mansão. Em 1996, teve início o processo de demolição do casarão (figura 4), o terreno foi transformado em um amplo estacionamento até ser vendido para uma construtora, que construiu o Shopping Cidade São Paulo e a Torre Matarazzo. Esta, recebeu a certificação LEED Gold de construção sustentável (GBC BRASIL, 2017).

Figura 2 Demolição da Mansão Matarazzo, 1996, Acervo do Jornal O Estado de São Paulo. Acesso em: 20 de maio de 2017Figura 2 Demolição da Mansão Matarazzo, 1996, Acervo do Jornal O Estado de São Paulo. Acesso em: 20 de maio de 2017
 

Os exemplos acima citados refletem abordagens diferentes sobre o patrimônio edificado. Do ponto de vista do Desenvolvimento Sustentável, a preservação da Casa das Rosas estaria mais adequada aos atuais parâmetros e recomendações da COP 21 (2015) e Ministério do Meio Ambiente.

O Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2017) afirma que uma construção sustentável deve levar em consideração todo o processo, desde o projeto, onde são analisados o ciclo de vida do empreendimento, os materiais a serem empregados, à obra como os cuidados com a geração de resíduos e descarte de resíduos, além da operação e manutenção da edificação quando pronta. Dessa forma, é possível minimizar os impactos negativos ao meio ambiente e gerar economia de recursos naturais, além da melhoria da qualidade de vida das cidades.

Segundo o Conselho Internacional da Construção – CIB, a indústria da construção como o setor de atividades humanas que mais consome recursos naturais e utiliza energia de forma intensiva, gerando consideráveis impactos ambientais. Além dos impactos relacionados ao consumo de matéria e energia, há aqueles associados à geração de resíduos sólidos, líquidos e gasosos.

Assim, podemos entender que embora a Torre Matarazzo (figura 5) tenha recebido o selo LEED,  todo o processo que originou o empreendimento não estaria adequado em termos do Desenvolvimento Sustentável, entendido como: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades” (BRASIL, 2017).

O selo LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), acima citado, é fornecido U.S. Green Building Council (USGBC). Trata-se de sistema de certificação verde, reconhecido internacionalmente, que apresenta parâmetros de sustentabilidade, a fim de orientar a produção ou manutenção de empreendimentos construtivos e garantir que eles atendam aos parâmetros de “construções sustentáveis” (SANTOS, 2014). O LEED disponibiliza uma série de categorias a serem atendidas em vários aspectos para a obtenção do Selo LEED, a saber: Qualidade ambiental interna; materiais e recursos; energia e atmosfera; uso racional da água, e por fim, espaço sustentável. O sistema é formado por uma lista que fornece atribuições de créditos a partir do atendimento dos critérios estabelecidos na mesma. Estes critérios atravessam as fases de projeto, construção ou gerenciamento, desde que o objetivo principal seja contribuir para redução de impactos ambientais (GBC BRASIL, 2018).

Os parâmetros do LEED também podem orientar a reforma de edificações existentes. No caso da Avenida Paulista, que não possui terrenos vazios para novas edificações o denominado retrofit sustentável, norteado pelos parâmetros LEED, pode ser uma alternativa para a preservação das edificações da avenida (RODRIGUES; SOUZA; VIEIRA, 2010, P. 2-9).

O termo retrofit é originário do latim “retro”, que significa movimentar-se para trás, e do inglês “fit” que é sinônimo de adaptação ou ajuste, que tem como principal objetivo aprimorar uma tecnologia ou características de equipamentos ou materiais antigos a fim de melhorar seu funcionamento e operação. Assim, o conjunto de atividades e serviços aplicados na adaptação de prédios antigos, aliando-os as novas tecnologias e técnicas, seguindo rigorosamente as normas referentes à manutenção do patrimônio histórico, ficou conhecido como retrofit. De acordo com Gomes (2015) o retrofit tem como objetivo “resgatar o antigo, revestindo-o com o moderno, mas sem descaracterizá-lo, principalmente no que diz respeito às fachadas”.

Alguns edifícios da Avenida Paulista começam a ser reformados, dentro do conceito retrofit sustentável, como é o caso do edifício Panorama Paulista Corporate, que recebeu painéis de vidro e alumínio em sua fachada, o que tornou o edifício um dos primeiros a passar pelo processo de retrofit no Brasil, garantindo a certificação LEED Gold Core & Shell, por ser um prédio integralmente sustentável.

De acordo com a Norma de Desempenho NBR-15.565 o retrofit seria: “[...] remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando à valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e eficiência operacional e energética”.

Outro exemplo de edifício reformado, dentro do conceito retrofit, é o Citi Center (figura 6). Projetado pelo arquiteto Gian Carlo Gasperini, de 1986, o edifício foi totalmente reformado em dezembro de 2016, dentro do conceito retrofit sustentável e recebeu a certificação LEDD EB O+M-SILVER. Na reforma, o edifício conseguiu a redução de 30,84% no consumo de água, 47% dos resíduos gerados totalmente reciclados e 30% do consumo de energia  (GBC BRASIL, 2017).

 

Figura 3 Edifício Citi Center após o retrofit, 2017. Foto: Bruna Leite Evangelista PimentelFigura 3 Edifício Citi Center após o retrofit, 2017. Foto: Bruna Leite Evangelista Pimentel

Estes exemplares sinalizam uma tendência de renovação, manutenção do patrimônio edificado e não mais de demolições e reconstruções como ocorreu no passado.

Portanto, os exemplares acima citados seguem o conceito de sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, ou seja, desenvolvimento econômico, social e material sem agredir o meio ambiente. A sustentabilidade, em seu sentido lógico, é a capacidade de se sustentar, de se manter, ou seja, uma atividade sustentável é aquela que pode ser mantida para sempre. A adoção de ações de sustentáveis garante a médio e longo prazo um planeta em boas condições para o desenvolvimento das diversas formas de vida, inclusive humana, além de garantir os recursos naturais necessários para gerações futuras possibilitando a manutenção dos recursos naturais. Dentre as principais ações relacionadas à sustentabilidade estão o uso de fontes de energia limpas e renováveis, atitudes pessoais e empresariais voltadas para a reciclagem de resíduos sólidos, a exploração dos recursos minerais de maneira controlada, ações que visem o incentivo à produção e ao consumo de alimentos orgânicos e a exploração dos recursos vegetais de florestas e matas, garantindo o replantio sempre que necessário.

Uma discussão sobre a cultura material e imaterial da avenida

A Avenida Paulista carrega, desde sua concepção, uma série de significados, visto que já foi reflexo de status social e riqueza de seus proprietários, já serviu para segregar os mais ricos e abastados do restante da população, já protagonizou a ostentação por meio de grandes casarões e posteriormente com imensos arranha-céus através da verticalização, por fim, a Avenida Paulista têm também funcionado como um espaço de manifestações culturais e protestos. Bastos e Mello (2017), afirmam que no contexto da lógica social, o espaço público deve conter múltiplas funções, tais como ponto de encontro e vivência. Os autores descrevem significados alternativos para a Avenida Paulista como sendo: “Seus defensores anseiam por tornar a metrópole paulistana mais humana, com seus espaços públicos resgatando a função social de lugar de encontro e que possam ser democraticamente geridos por toda a população”.

A avenida pode ser considerada um ícone da cidade de São Paulo. Segundo Shibaki (2010), a avenida apresenta seis características para receber este epíteto. A primeira característica indicada pela autora é a sua localização, visto que a via foi implantada na região do Espigão Central de São Paulo, o que a fez distinta e privilegiada, com relação a outras avenidas da cidade. A segunda característica é o prestígio que a avenida teve desde sua concepção, onde logo foram construídos casarões e posteriormente com suas transformações, acolheu sedes financeiras e uma diversidade de centros culturais. A terceira característica diz respeito a sua acessibilidade, visto que desde o princípio a avenida foi planejada levando-se em conta a mobilidade urbana para aquele local, sendo bem atendida através da malha de transporte, que inicialmente se dava por meio de bondes, seguida por metrô, ônibus e faixas de automóveis. A simbologia é a quarta característica elencada pela autora, que destaca este aspecto pelo fato de a Avenida Paulista manter-se como símbolo de São Paulo, tanto por meio de manifestações públicas como privadas. A quinta característica apresentada fica por conta da visibilidade promovida pela Avenida, onde estão implantados vários transmissores de rádio, sedes de emissoras de televisão, proporcionando assim uma conexão maior e em tempo real com o todo, facilitando assim a divulgação das mais diversas manifestações. A sexta, última e não menos importante característica são as âncoras culturas mencionadas pela autora, que são exemplares na Paulista que oferecem qualquer manifestação de cultura às pessoas que ali frequentam, como por exemplo, o MASP, a Casa das Rosas e outros importantes centros culturais que tornam a Paulista cada vez mais atrativa.

Ao se observar as características mencionadas acima, pode-se afirmar que a Avenida Paulista não é uma composição de aspectos concretos e abstratos, que juntos dão vida a um lugar singular, rico em história e cultura, que vem se desenvolvendo desde sua concepção e traz consigo a imponência oferecida por uma das capitais mais prestigiadas do Brasil.

Dentro do contexto apresentado anteriormente, nota-se que a Avenida Paulista em toda sua metamorfose vem mostrando-se cada vez mais acessível para todas as classes, caracterizando-se como um ponto acolhedor, receptivo e sociável, onde o público consegue enxergar potencial para uma diversidade de atividades que se aplicam a tal espaço físico. Eventos como a Corrida Internacional São Silvestre, o 1º de meio da CUT, a Marcha para Jesus e a Parada do Orgulho LGBT, festa de Réveillon, são exemplos de eventos totalmente diferentes, mas que encontraram na avenida um ponto ideal para expressarem suas atividades ou manifestos. Neste sentido, a avenida desempenha o papel de centralidade na cidade de São Paulo (FRÚGOLI JR, 2000, p.140), especialmente aos domingos com o fechamento para o trânsito de veículos.

Figura 7 Ciclovia da Av. Paulista. Foto: Edite Galote CarranzaFigura 7 Ciclovia da Av. Paulista. Foto: Edite Galote Carranza

Uma discussão sobre sustentabilidade 

A abertura da Avenida Paulista aos domingos é uma de suas grandes conquistas da cidadania. O projeto Minha Sampa, de iniciativa do coletivo Sampa Pé, seguiu a tendência internacional de banir os carros das ruas dos centros das cidades, a fim de permitir a maior concentração de pedestres e de bicicletas (SÃO PAULO SÃO, 2017).

Desde 2012, o Sampa Pé realiza passeios pela cidade incentivando a criação de políticas públicas a favor dos pedestres. Pode-se comparar o movimento Minha Sampa ao grupo contracultural holandês Provo, que combatia a poluição ambiental com seu “Plano Bicicletas Brancas”. O plano consistia em disponibilizar bicicletas para uso comunitário e gratuito (CARRANZA, 2013). Graças a iniciativa do Sampa Pé, que encontrou terreno fértil na administração municipal, desde 2015 a avenida é fechada para o trânsito de veículos aos domingos. 

Tal iniciativa segue a tendência de banir os veículos dos centros urbanos, como ocorre em algumas capitais europeias já adotam proibições temporárias de carros, como Paris, que começou a testar o modelo em setembro de 2015. Outras cidades como Londres possuem pedágios urbanos para limitar o tráfego de automóveis em seus centros e Oslo que decidiu banir a circulação de carros na região central permanentemente.  

O fechamento da avenida ao trânsito de veículos, permitiu que a Avenida Paulista potencializasse seu perfil de “corredor cultural”, ampliando as possibilidades de fruição do espaço público, com brincadeiras, apresentações de grupos musicais, jogos, e diversas outras atividades. 

Considerações Finais

A partir das discussões sobre as transformações da Avenida Paulista, pode-se afirmar que ela segue seu curso como um ícone da cidade de São Paulo. A sua capacidade de renovação, seja por características relacionadas à sociabilidade, economia ou sustentabilidade, garante seu título de símbolo paulistano.

Vimos que a avenida incorpora novos conceitos relacionados à sustentabilidade, como o retrofit, que busca por amenizar os impactos negativos sobre o meio ambiente. Neste sentido, o retrofit orientado pela certificação LEED - programas e certificações direcionados a aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável - ganham espaço ao adaptar edificações antigas as novas tecnologias e técnicas, de maneira a melhorar seu funcionamento e ao mesmo tempo conservar suas características originais, evitando a obsolescência ou demolições.

Por fim, consideramos que a Avenida Paulista vem se consolidando como um símbolo de uma nova cultura, a cultura sustentabilidade, em seu tripé:  econômico, social e ambiental.  

 

Referências

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CARRANZA, Edite Galote Rodrigues. Arquitetura Alternativa: 1956-1979. São Paulo, SP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo – FAUUSP. Tese Doutorado, Universidade de São Paulo, 2013.

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 Vídeo: "Dinamismo na Avenida Paulista 2019" de Bruna Evangelista Leite Pimentel

 

Minicurrículo

Bruna Leite Evangelista Pimentel possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento (2012). É mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas Tadeu (2019); Integra o Grupo de pesquisa Arquitetura: Abordagens alternativas e transdisciplinares na condição contemporânea. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Arquitetura, atuando principalmente nos seguintes temas: Arquitetura de interiores, construção, projetos corporativos e gerenciamento de obras.

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Edite Galote Carranza
é mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie em 2004; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2013 com a tese “Arquitetura Alternativa: 1956-1979”; diretora do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica e da revista eletrônica 5% arquitetura + arte ISSN 1808-1142. Publicações em revistas especializadas, livros Escalas de Representação em Arquitetura, Detalhes Construtivos de Arquitetura e O quartinho invisível: escovando a história da arquitetura paulista a contrapelo. Professora da graduação e pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu.

 

 

Como citar:

PIMENTEL, Bruna E. L.; CARRANZA, Edite Galote. Uma discussão sobre as transformações recentes da Avenida Paulista. 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.19, e133, p. 1-16, jun./jun./2020. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/magazine-1/arquitetura/uma-discussao-sobre-as-transformacoes-recentes-da-avenida-paulista

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