Editorial

“A essência da casa não é a casa, é o endereço da casa, a convivência do espaço urbano”. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha

5% X 95%

Vivemos em uma metrópole multiétnica e, consequentemente, multicultural. São 10,7 milhões de habitantes, com uma densidade demográfica de 7.035 hab. /km²; 2,8 milhões de imóveis, e 3,7 milhões de domicílios com energia elétrica. Dados oficiais de 2003. Mas como essa cidade se organiza, isto é, como ela se edifica e qual o papel da arquitetura neste processo e em que medida ela é indispensável? Em primeiro lugar, são duas cidades: a informal e a formal. A cidade informal se constitui de favelas e autoconstrução. A população de favelados gira em torno de 1 milhão de habitantes; favelas são abrigos precários onde a questão técnica é simplesmente desconsiderada. Na autoconstrução são adotadas as técnicas construtivas mais acessíveis do ponto de vista do custo e transporte, e são executadas pelo próprio morador. A cidade informal, portanto, não faz uso de projeto de arquitetura. No lado da cidade formal, existe uma quantidade considerável de projetos desenvolvidos por leigos, que solicitam um engenheiro ou arquiteto apenas para viabilizar o projeto legal. O arquiteto é acionado pela especulação imobiliária – que Giulio Carlo Argan considera como o problema das cidades modernas, responsável por parcela significativa do mercado da construção civil, além de projetos corporativos, obras públicas e contratos de pessoa física. Assim, podemos estimar que, da totalidade do ambiente construído, cerca de 5% dos projetos são considerados pela crítica como referenciais, dentre os quais poderíamos citar, a título de ilustração: Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes, Fábio Penteado, Carlos Milan, Rino Levi, Oswaldo Bratke, Ruy Ohtake, Brasil Arquitetura, enfim, a lista seria por demais extensa. Considerando os dados e o raciocínio apresentado, levantamos algumas questões: 1. Se a cidade é a regra, a arquitetura, criticamente considerada, é um evento de exceção? 2. Podemos deduzir que a profissão de arquiteto é elitizada? 3. Se estivermos interessados em qualidade, de que forma as obras referenciais – 5%, podem influenciar o restante – 95%? Tais perguntas, a nosso ver, remontam ao surgimento da cidade moderna e passam pela consciência crítica dos pensadores da arquitetura. Umberto Eco tem uma das melhores, senão mais completas, definições de arquitetura: “A Arquitetura move-se numa sociedade de mercadorias; está sujeita a determinações de mercado, mais do que as outras atividades artísticas e tanto quanto os produtos da cultura de massa. O fato de que um pintor esteja sujeito ao jogo das galerias, ou de que um poeta tenha que fazer contas com o editor, pode influenciar praticamente a sua obra, mas nada tem a ver com a definição de seu trabalho. De fato, o desenhista pode desenhar para si e para os amigos, e o poeta escrever sua obra num único exemplar para a amada; mas o arquiteto (a menos que formule no papel um modelo utópico) não pode ser arquiteto senão inserindo-se num circuito tecnológico e econômico e procurando assimilar-lhe as razões, ainda quando quer contestá-las”. [1] Pensamos que tais questões são relevantes se o objetivo é uma cidade mais humanizada e menos um reflexo de uma sociedade de classes onde a produção do ambiente construído é divido entre 95% de construção e 5% de obras admiráveis.

5% + 95% 

Nossa proposta é o exame das questões acima indicadas, e assim darmos nossa contribuição, que será relevante à medida que for participativa, ouvindo sem preconceitos, trabalhando em grupo, e com os contrários dialeticamente considerados.

[1]ECO, Umberto. A Estrutura Ausente: introdução à pesquisa semiológica. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 225.

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